Um Sujeito de Merda
(Uma Micro Peça de Teatro)
Luiz Carlos "Barata" Cichetto
CENÁRIO:
Um escritório moderno, com computadores, telefones, aparelhos de fax e demais atributos tecnológicos, a iluminação é cegante e o ar gelado. Ao canto uma cabine de privada, com papel higiênico e uma porta entreaberta.
TRILHA SONORA:
Um sax irritante de Kenny G.
PERSONAGENS:
SUJEITO SIMPLES, SUJEITO COMPOSTO, SUJEITO UM E SUJEITO DOIS
CORTINA ABRE:
(SUJEITO SIMPLES SENTADO Á FRENTE DE UM COMPUTADOR, OLHOS GRUDADOS AO MONITOR, SEMBLANTE TENSO, SUANDO, CLICANDO FRENETICAMENTE E ESMURRANDO HORA OU OUTRA O TECLADO. SUJEITO COMPOSTO AO SEU LADO EM PÉ, DE TERNO E GRAVATA, GESTICULANDO E GRITANDO)
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES:
- É, senhor Simples, o senhor é mesmo uma merda! Não consegue operar essa merda de computador, a merda do programa de última geração que a empresa comprou, nem a merda do fax inteligente, nem a merda da impressora a laser colorida...O senhor... o senhor é um merda, certamente!
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
- É, senhor Composto, sou mesmo um merda mesmo! Um inútil... Afinal, que utilidade tem um sujeito que trabalha a 30 anos nesta empresa, portanto de antes que o senhor tenha nascido, que ajudou esta empresa a crescer desde que ela tinha dois funcionários, que deixou de lado a companhia dos filhos para trabalhar aos domingos sem ganhar sequer horas extras? Um merda que sempre foi pronto a colaborar, a prestar qualquer sacrifício acreditando que um dia teria a sua recompensa. É, senhor Composto, sou um merda mesmo!
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES
- Não vem com essa merda de que o senhor se dedicou a empresa. Sou formado em TI, TC, IT, CT e todas as siglas que o senhor nunca escutou falar. Aliás a única siga que o senhor escutou é WC, que é o lugar de merda.
(SUJEITO COMPOSTO SOLTA UMA GARGALHADA E DEPOIS SILENCIA. NESTE MOMENTO A LUZ ILUMINA OS ROSTOS DE SUJEITO UM E SUJEITO DOIS, QUE ENTÃO GARGALHAM ABUNDANTEMENTE.)
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
- O senhor acaso sabe porque a merda do cabrito é redondinha?
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO SIMPLES
- E que merda tem a haver a merda do cabrito com a merda que o senhor cagou ai no computador?
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO COMPOSTO
- Eu sei porque a merda do cabrito é redondinha e nem por isso o estou humilhando na frente de seus amigos.
SUJEITO UM
- É, ele sabe mesmo. Já me explicou direitinho isso uma vez. Tem todo uma merda cientifica...
SUJEITO DOIS
- É mesmo. A merda do cabrito é redonda porque...
SUJEITO COMPOSTO A SUJEITO UM E SUJEITO DOIS
- Calem as merdas das bocas. Não estou falando com vocês, seus merdas!
(SUJEITO COMPOSTO FALA ISSO E LEVA A MÃO AO ABDOME)
- Que caganeira de merda me deu agora. Não saia dai senhor Simples, temos muita merda pra conversar ainda.
(SUJEITO COMPOSTO SE DIRIGE RAPIDAMENTE Á PRIVADA, DESABOTOANDO E ABAIXANDO AS CALÇAS, SENTA-SE NA PRIVADA E SUSPIRA DE ALÍVIO. NA OUTRA PARTE DO CENÁRIO, OS OUTROS TRÊS SUJEITOS CONFABULAM)
SUJEITO UM AOS OUTROS DOIS SUJEITOS
- Que merda de sujeito esse Composto. Só porque entende de computadores, pensa que tem o Rei na Barriga. Mas sabem o que ele tem mesmo na barriga? Merda!!!
(OS TRÊS SUJEITOS GARGALHAM AO MESMO TEMPO, RISADAS DEBOCHADAS)
SUJEITO DOIS A SUJEITO SIMPLES
- Ele não tinha o direito de falar o monte de merda que ele te falou. Que merda, meu! E você, seu merda, deixou ele falar aquelas merdas...?!
SUJEITO SIMPLES A SUJEITO DOIS
- É, ele não tinha mesmo o direito de falar aquelas merdas pra mim, mas ele acha que a merda dele fede menos que a minha... que a nossa merda.
TRÊS SUJEITOS
(EM UNÍSSONO)
- Que merda de sujeito esse tal de Composto!!!
(NA PRIVADA, SUJEITO COMPOSTO GEME E URRA, EMPUBESCE E NUM MOMENTO GRITA)
- Que merda! Que Merda! Não sai essa merda!
(EM POUCOS INSTANTES , SUJEITO COMPOSTO CAI DA PRIVADA ROLANDO PELO CHÃO E SE CONTORCENDO COM A FACE DEMONSTRANDO DOR EXTREMA)
SUJEITO COMPOSTO
(ENTRE DENTES)
- Merda! Merda! Merda!
(REPENTINAMENTE SUJEITO COMPOSTO FICA INERTE, AS CALÇAS NOS JOELHOS. OS TRÊS OUTROS SUJEITOS CORREM ATÉ A PRIVADA E MEXEM NO CORPO INERTE.)
TRÊS SUJEITOS
(EM UNÍSSONO)
- Está morto. O Sujeito Composto está morto! Que merda!
(SUJEITO UM SE ENCAMINHA PARA A PORTA ENTREABERTA DO BANHEIRO E LÊ O QUE ESTÁ ESCRITO)
SUJEITO UM:
- Escutem isto aqui que está escrito na porta da privada: "Um dia em algum lugar dessa merda de cidade, a minha merda e a do dono dessa merda irão se juntar no esgoto e tudo será a mesma mer...". E ainda está molhada a tinta do pincel atômico vermelho.
(SUJEITO DOIS E SUJEITO SIMPLES OLHAM NA MÃO DE SUJEITO COMPOSTO. UM PINCEL ATÔMICO VERMELHO ESTÁ PRESO ENTRE SEUS DEDOS)
SUJEITO SIMPLES E SUJEITO DOIS
- Que merda! Foi ele quem pichou isso na porta do banheiro...
(PANO RÁPIDO)
(AINDA SE ESCUTA UM SOM (PRIVADA)
(DEPOIS DISSO AINDA A VOZ DE SUJEITO COMPOSTO ECOA POR TRÁS DAS CORTINAS)
(VOZ) SUJEITO COMPOSTO
- Que merda!
19/10/2001