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31/08/2012

Um Troféu Guardado no Arquivo


Um Troféu Guardado no Arquivo
Luiz Carlos "Barata" Cichetto

A primeira referência a um trabalho meu, ainda nos idos de 1981. Eu havia impresso um livro de poesia intitulado "Arquíloco" e enviei ao jornal Diário Popular, um dos maiores de São Paulo, sem qualquer esperança que fosse analisado e muito menos que fosse ser publicada alguma referência. A coluna "Página do Livro" era publicada desde 1977 pelo jornalista Henrique Novak, e falava sobre lançamentos literários, mas mantinha um espaço para novos escritores. Por indicação de um amigo, Luiz Sérgio de Viveiros, que também editava um "jornalzinho" mimeografado chamado "Solux", voltado a divulgação de poesia. Mas, logo na semana depois que eu postei no Correio o livrinho, saiu esta menção: "... Poesia boa, pura, em compasso de sofrimento. É preciso colocar esses poemas logo em letra de forma, impressa e ponto final...". 

Pouco tempo depois ainda no final daquele ano joguei no lixo. Por pressão externa e interna, rasguei o jornal juntamente com todos os meus poemas e outros textos, incluindo as cópias restantes do livro mimeografado, não sobrando sequer mais nenhum exemplar, com exceção de uma, que tinha ofertado a meus pais.  O tempo passou e eu, preocupado com educação de filhos e em construir e manter uma família, deixei quase que totalmente de lado a poesia. Hora ou outra lembrava disso e pensava em ir atrás. Cheguei a procurar a redação do Jornal em final dos anos 90, mas como não lembrava a data, nem o mês, não foi localizado. 

Em 2001 o Diário Popular foi vendido ao Sistema Globo, mudou de nome para Diário de São Paulo e ai, tudo que havia foi perdido. Cheguei a entrar em contato com os sucessores, mas nunca obtive respostas. Com o advento da Internet, tentei praticamente em vão, durante anos  encontrar qualquer referência ao meu livro. Uma Biblioteca Pública em Santa Catarina tinha catalogado um exemplar, mas não obtive respostas. Procurei pelo autor e descobri que havia falecido ainda nos anos 90. Nada, nenhuma informação a mais. O texto escrito pelo Novak estava gravado na minha cabeça. Pode-se considerar que era bem pouco, mas para a época, ter seu trabalho citado em um jornal de grande circulação como era o "Dipo", como era conhecido, era muita coisa. 

Hoje com Internet e um escritor e um jornalista amadores em cada esquina, podem considerar muito pouco, mas para uma pessoa que tinha dado muita porrada para conseguir lançar um trabalho e gasto um bom dinheiro com papel e correio e muito braço girando por noites inteiras a manivela de um mimeógrafo, e tinha apenas 23 anos era muita coisa. Acaso o destino, que eu mesmo busquei não me tivesse tirado do caminho, eu teria minha história hoje contada de forma diferente. Fatalmente teria conseguido logo a edição do meu trabalho por uma editora... Enfim outra história, outros personagens.

Mas, não importam meus destinos. E embora tenha nos últimos 15 anos retomado minha produção literária de forma a desforrar os anos perdidos, nunca deixei de procurar pelo tal jornal. A mim era como se aquela referencia fosse um troféu ganho na escola por um atleta que depois ficou aleijado. Faltava aquilo, faltava aquela referência ao meu passado. Por menor que fosse o troféu, eu o havia ganho com louvor e ele estava ainda em algum lugar, em alguma prateleira mofando. Os livros foram distribuídos da forma como todos nós fazíamos na época: criávamos listas de amigos de amigos, geralmente também poetas, e enviávamos nosso material por Correio, ou entregávamos em portas de teatros, shows de Rock. Em troca de uma conversa e de um sorriso. Mais nada.

Por consideração, embora eu tenha pedido também que ela jogasse fora, minha mãe guardou o seu exemplar do livrinho, que foi apagando com o tempo. Há uns anos pedi-lhe “emprestado” com o intuito de tentar ler e digitar os textos. Fiz isso apenas com uns três ou quatro. Não tive paciência. Há um ano, meu filho mais novo se prontificou a fazer esse trabalho. E um dia irá concluir.

Mas ainda tinha a citação do Novak guardada na memória. A imagem do jornal estampada na minha cabeça. E há uns meses, quando comecei mais uma busca, acabei encontrando o Arquivo Oficial do Estado. Após uma demorada pesquisa, cheguei à informação de que lá existiam esses exemplares. Entrei em contato e confirmaram a existência dos exemplares da época que eu queria, mas o prédio estava em reforma ou algo assim e as consultas publicas estavam fechadas e sem previsão de reabertura. Mais um baque, mais uma interminável espera. Agora era até pior: eu tinha achado meu "tesouro", mas não podia chegar até ele. Dias atrás, entretanto, li uma informação que dizia que o Arquivo tinha voltado ao funcionamento normal. Entrei em contato, confirmei os detalhes e fui até lá.

Esperava, como sempre se espera quando se necessita de algum serviço publico, ser mal atendido, com má vontade, demora e fatores que geralmente impregnam serviços públicos. Mas o que ocorreu, para minha surpresa, foi que, desde a segurança na portaria, á recepção e principalmente aos atendentes fui tratado com muita presteza, boa vontade e educação. À funcionária que me atendeu no balcão de pedidos, que infelizmente não guardei o nome, contei rapidamente o quê e o porquê da minha procura. Preenchi requerimentos e sentei numa mesa a espera dos volumes como um pai que espera um filho no saguão de uma maternidade. Recebi um par de luvas descartáveis e os volumes encadernados foram chegando. Folheando um a um, passando por aquelas páginas amareladas pelo tempo, percebi inicialmente que minha memória tinha me traído. Ao contrario de minha "certeza" o dia da semana da coluna era Sexta, não Terça-feira. O coração aos pulos e o desespero aumentando com o avançar das datas. Janeiro 81, Fevereiro, Março... Junho... E nada. Comecei a achar que eu tinha sonhado com aquela matéria, que ela não existia de fato, que meu troféu era apenas fruto da minha imaginação.

Quando abri o volume referente a Julho, a funcionária chegou até mim e sorridente perguntou se eu havia encontrado o que procurava. "Ainda não", respondi. "Mas vou achar!”. Levantei da mesa, devolvi aquele volume e peguei o de Agosto. E lá estava! Bingo. Peguei a câmera e fotografei aquela página em todos os ângulos possíveis, com um sorriso de felicidade estampado. Olhava para todo mundo querendo contar. Acho que minha feição dizia: "Olhem, olhem todos" Eu achei, eu achei" Queria era mesmo gritar isso. Ao devolver o ultimo volume no balcão me sentia aliviado, como aquele tal atleta, como se minha invalidez não fosse nada perante o troféu que eu encontrara, empoeirado em um canto qualquer. Agradeci ao funcionário que recebeu o ultimo volume e na saída aquela senhora veio me perguntar se tinha mesmo achado. E contei-lhe os detalhes do porque da minha alegria em ter encontrado aquilo. Ela abriu um sorriso franco e sincero. Percebi que ela estava sinceramente feliz por mim. Com a emoção à flor da pele, agradeci a todos e deixei o prédio, apertando a câmera forte para não correr o risco de perder novamente meu troféu.

Depois de trinta anos eu tinha ao alcance dos meus olhos aquelas sete linhas impressas em um jornal amarelado pelo tempo. E quero por fim agradecer a todos os funcionários do Arquivo Oficial do Estado de São Paulo, a começar de meu primeiro contato, com a Bibliotecária Renata e a todos os outros que colocaram nas minhas mãos aquele troféu. Obrigado por sua atenção, respeito e principalmente por agirem como seres humanos atendendo iguais, sem prepotência, arrogância e desleixo. E que os tratam de forma idêntica tanto aqueles que buscam tanto um documento que pode lhes render uma propriedade material, como a um outro, cujas propriedades são tão poucas, mas tão valiosas que cabem em cerca de cinco centímetros quadrados de um jornal antigo e amarelado pelo tempo. Obrigado a todos do Arquivo Oficial do Estado de São Paulo.

31/08/2012