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25/11/2019

Ah, Sim, Eu Tenho Uma Carreira

Ah, Sim, Eu Tenho Uma Carreira
Luiz Carlos Cichetto


Em Novembro de 2019, completo quarenta e cinco anos de carreira literária, pois considero a data da minha primeira publicação, ainda num daqueles veículos underground impressos em mimeógrafo. Antes disso, meus poemas e contos não saiam da caixa de sapatos ou do caderno. Novembro de 1974. Eu tinha 16 anos, e um monte de coisas escritas, mas eram apenas coisas de adolescente.

De qualquer forma, chamar de "carreira literária" é quase uma zombaria comigo mesmo, já que fora as auto-publicações artesanais, jamais consegui ser publicado por uma editora "de verdade", e quase nenhum dinheiro recebi com meus escritos.

Comemorar? Não, talvez apenas relembrar uma data, olhando para as pilhas de folhas impressas que empoeiram no meu armário, e que um dia, quem sabe num futuro em que eu não possa estar, seja a panaceia de alguém, que hoje ignora tanto meu trabalho quanto minha pessoa.

Nunca pleiteei nada que não fosse meu por direito, e isso inclui reconhecimento a um trabalho intenso, grande e vasto.

Meu sentimento é de que, findo este ano de 2019, tudo isso cesse, que eu não fique mais esperando o resultado de um email enviado a uma editora, de um concurso literário ou de qualquer migalha de uma curtida em rede social. Escrever sempre foi minha vida, e só há um meio de acabar com isso.

20/11/2019
©Luiz Carlos Cichetto​ - Direitos Autorais Reservados

Sol_Angel

Sol_Angel
Luiz Carlos Cichetto



Na ponta dos pés o homem entrou na cozinha, que era simples e com poucos utensílios. A mulher, trajada também simplesmente não percebeu sua chegada, entretida nos seus afazeres. Ela estava descalça e cantarolava alegremente, enquanto mexia nas louças da pia. Uma blusa cor-de-rosa de alça, com um grande decote deixava à mostra o colo dos seus seios, pequenos, mas de bicos pontiagudos.  
Ele se se encostou às nádegas da mulher e seus braços, magros e longos envolveram sua cintura. Ela fez que não percebesse, mas apertou a bunda de encontro ao pau dele, que a essa altura também estava duro.
Com delicadeza, mas firmemente ele abriu o zíper da calça comprida dela e desceu até o meio das coxas, magras, mas firmes. Ela soltou um gemido, que parecia um ronronado de gato, e jogou o pescoço para trás.
As mãos do homem, de dedos longos e finos percorreram o meio das pernas tateando a calcinha, que era um pouco gasta. Em segundos a calça jazia entre os pés da mulher e sobre ela a lingerie branca. Sua boca lhe percorreu o pescoço, depois a orelha. A língua desenhava círculos na pele dela, que se arrepiava a cada movimento.
Sem dizer nada, a mulher apoiou as mãos, que ainda estavam molhadas, na pia e ergueu os quadris. Toda sua pele tremia de desejo, suas pernas bambeavam e a vagina estava tão molhada que ela percebia uma gosma quente a lhe escorrer.
Em silêncio, o homem abriu o cinto de sua calça com rapidez e a desceu juntamente com a cueca, chutando-as para longe. Abraçou-a, apertando delicadamente os seios, ergueu-lhe os cabelos e mordiscou-lhe a nuca.  Sua respiração estava ofegante, descompassada e um vermelhidão tomava conta de seu rosto.
A mulher abriu as pernas num convite, e ele a segurou pela cintura e penetrou, calma e mansamente. Seu pênis ereto entrava e saía em movimentos que pareciam de um bailado, cuidadosamente ensaiado, acompanhando o mover das ancas dela, para frente e para trás.
A vagina dela estava quente e úmida, pois há muito esperava por aquele homem misterioso por quem ela sempre tivera desejo, e que agora aparecia ali, na sua cozinha, e a possuía como ninguém a tinha possuído até então. Era firme, seguro, forte, mas sem violência, e a possuía no sentido mais claro, tirando dela todo o prazer que jamais imaginara ser capaz.
Sua língua a percorria por onde era possível alcançar, seus dedos se enroscavam nos pelos da vagina dela. Seus gemidos agora eram tão altos que temeu acordar a vizinhança. Há quanto tempo ela esperara por aquilo, nem sabia dizer.
Depois de cerca de uma dúzia de minutos, o êxtase. Primeiro ela sentiu um choque elétrico, um orgasmo como nunca tinha sentido antes, percebeu que seu corpo inteiro tremia com aquele prazer. No mesmo momento, sentiu um jato quente lhe penetrar, como se fosse lava de um vulcão. O homem soltou um urro e a abraçou mais forte, quase esmagando-a contra a pia.
Delicadamente ela a virou de encontro a ele, olhou-me bem nos olhos e ameaçou dizer alguma coisa, mas se calou e beijou-lhe as pálpebras e o rosto, deu alguns passos e apanhou a calça e cueca num canto, vestiu-se e saiu, deixando a porta aberta.
Atrás de si, a mulher ficou parada, certa de que aquilo era apenas um sonho. Ou não...?

31/10/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

19/11/2019

Lápis de Cor (Reflexões Sobre o "Dia da Consciência Negra")

Lápis de Cor
(Reflexões Sobre o"Dia da Consciência Negra")
Barata Cichetto




Eu queria apenas desenhar, pintar o mundo com todas as suas cores. Fui a uma papelaria e comprei uma caixa de lápis de cor, com uma dúzia. Doze cores seriam o suficiente para eu expressar minhas emoções, dar vazão à minha criatividade, expressar minha arte. Deixar ao menos um pedaço de papel colorido, que fosse sobre alguma mesa de plástico, ou numa rua de asfalto.
Cheguei em casa, desembrulhei o pacote, abri a caixa e fiquei olhando para os lápis redondos, coloridos, todos do mesmo tamanho, alinhados elegantemente dentro da caixa de papelão, e pensando sobre as maravilhas coloridas que faria com eles, e que poderiam encantar crianças, idosos, e dar-lhes um pouco de cor.
Aí me lembrei do mundo chato e intolerante, e fui logo tirando da caixa o preto, já que eu poderia pintar algo com ele e ser acusado de racismo. Por via das dúvidas, e pelo mesmo motivo, joguei fora também o marrom. Ficaram apenas dez lápis na caixa, mas era o suficiente para eu pintar o mundo.
Então percebi que tinha que jogar fora também o bege, pois eu poderia também ser tachado de racista, acaso me distraísse e pintasse uma pessoa com essa cor. Por aproximação, foi também o rosa, que tinha o agravante de que eu poderia ser acusado de machista ao pintar alguma coisa feminina com ele.
Ah, mas eu ainda tinha oito lindos lápis de cor, que comprara simplesmente para fazer arte, e quem sabe dar alegria a algumas pessoas, ou no mínimo me expressar, colocar em cores meus sentimentos mais bonitos.
Oito... Mas tinha o verde escuro e o amarelo, e pensei que seria condenado como fascista se pintasse algo com eles, já que são as cores da bandeira brasileira. 
Sobraram seis, só a metade do que comprei. Apenas metade das cores que eu poderia usar para pintar e descrever o mundo. Ainda acreditei que seria o suficiente, já que o mundo não anda tão colorido atualmente.
Eu disse seis? Não, tinha o outro tom de verde mais claro e o azul, que também foram descartados pelo mesmo motivo. Resolvi, para evitar maiores problemas, juntar a eles também o azul mais escuro.
Olhei para a caixa de lápis de cor quase vazia, onde jaziam apenas três lápis: o lilás, o vermelho e o laranja.
O vermelho foi logo quebrado e atirado no lixo, que poderiam me chamar de comunista, caso eu pintasse alguma coisa com ele. Por inércia a próxima vitima foi o laranja, e por fim o lilás, que poderia sugerir alguma espécie de homofobia, ou o oposto, alguma apologia à imoralidade.
Cores e palavras são coisas que nasceram para representar a liberdade, algo um tanto perigoso nos últimos tempos.
Olhei para a caixa de lápis vazia com uma enorme tristeza, já que não poderia mais colorir nada desse mundo. Não havia mais cores, apenas uma caixa vazia de lápis de cor. Amassei e joguei a inútil embalagem no lixo, depois voltei à papelaria e comprei apenas um lápis, da única cor que eu poderia pintar este mundo: um lápis cinza.
Mas era tarde demais, eu não queria mais pintar.

18/11/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


11/11/2019

Do Inconveniente de Ser Barata

Do Inconveniente de Ser Barata
Luiz Carlos Cichetto



“'Desde que estou no mundo' – este desde parece-me carregado de um significado tão assustador que se torna insuportável." A citação é de Emil Cioran, o filósofo romeno, e cai como uma luva ao presente texto, até por que termina com "insuportável", que seria outro título que tinha pensado ao estabelecer a linha condutora, sobre de que forma palavras com a letra "i", tem sido presentes na minha existência. Preferi entretanto, sacanear o Oscar, com sua "A Importância de Ser Prudente" (The Importance of Being Earnest"), além do romeno. 

Desde minha avó, passando por minha mãe e duas mulheres, todas com nomes iniciando com "i" , essa letra me persegue, me espreita, me define e me consome, às vezes todas as coisas ao mesmo tempo. E ser "inconveniente", por horas me parece ser uma dádiva, dada por alguma deusa pagã, outras a maldição de uma prostituta anã, mas é certo que a inconveniência da minha existência a torna muito mais inexistência, no sentido filosófico ou científico estrito, ou religioso, no lato. Ou o oposto, que é tão verdadeiro como inconveniente.

Como definir melhor um ser que sobreviveu à sanha de um aborto, e que quando criança era chamado "asa negra" por sua própria mãe, e que era espancado por um pai que nem a desculpa de ser alcoólatra, como na maioria desses caso têm? E que foi batizado por escolha desse mesmo pai, getulista e adhemarista, com o nome composto de um líder comunista que ele odiava? Parece-me conveniente que eu me defina então por "inconveniente". 

De inconvenientes atitudes a inconvenientes palavras, cresce o ser, sempre com a boca machucada por tapas convenientes e as costas feridas por convenientes surras de ripa de madeira. Uma educação convenientemente tratada como sagrada. 

E o inconveniente passa a ter significados amplos, sinônimos múltiplos, na conveniente sociedade crescente, carente de conveniências, todos com a tal da letra "I". Impertinente, importuno, impróprio, inadequado, inapropriado, indiscreto, inoportuno, indecente, imoral, indecoroso, inferior, inútil, incômodo. Cada palavra com seu conveniente expediente, cada uma mais eficiente que a outra.

Da inconveniente poesia suja, ao inconveniente namoro com puta suja, do inconveniente gosto pelo Rock sujo ao casamento com uma suja sem Rock e sem poesia; do inconveniente de ser pai ao de ser fiel; da inconveniente forma de tratar a fidelidade e a paternidade, ao inconveniente jeito de tratar a felicidade e a eternidade, chego ao inconveniente máximo de ser Barata, o símbolo máximo da inconveniência doméstica, social, urbana. E ademais com um inconveniente dom de resistência. Intolerável inconveniente, insustentável impertinência, indefectível intermitência, impossível intendência, inexprimível inconsequência. Gritaram: "Inexequível", "Impossível", mas era incontestável a inexorável, inflexível, implacável ira, a inelutável, irrefutável e indiscutível intenção: invencível, e até incrível.

Barata dos Infernos, O Insuportável Barata, e inomináveis substantivos e adjetivos. Superlativos, mas inobjetivos. Insofismável, incontestável. Incerto? Inconstante? Imbecil? Idiota? Nunca à imagem: inverossimilhança. Inexpugnável. Intragável. Indubitável inteligência, inacatável pertinência, indisputável clarividência. E de inconvenientes a inconsequentes, de indecentes a impertinentes, escrevo, escrevo, escrevo. Nada devo ao que escrevo. Nada invento, nada intento. De fato não escrevo, mas inscrevo minha intenção nessa pedra girando no Universo. Não apenas o verso, mas seu inverso e seu reverso. Converso apenas. Inconvenientes e inconiventes conversas; intransitivas e intransceptivas conversas. Inversas. Invenções, introversões, inversões. Invento novo verso, intento novo inverso. Sem reverso.

"Um dos artistas mais instigantes, inteligentes e imprevisíveis - só para ficar nos adjetivos começados com a letra "i" - que conheci pela Internet." - Disse o escritor, que também é professor, e que também é crítico literário. "Imponderável, impertinente e inconsequente", disse outro. "Intangível e insaciável", por fim disse eu, ao final de uma conversa que inexistiu.

E insuportável agora, ao final da inglória inexistência inconveniente, incontinente e imediatamente, ainda inabalável e intocável, me torno incontestavelmente inverossímil, infactível, inexprimível. 

©Luiz Carlos Cichetto  - Direitos Autorais Reservados

11/11/2019


08/11/2019

Confesso Que Bebi

Confesso Que Bebi
Luiz Carlos Cichetto
Arte: Barata By Del Wendell

Ontem bebi como há muito tempo não bebia. Não foi por ira, por raiva, por nada demais, apenas bebi e nada mais. Bebi por Baco, por Sísifo, por mim, por ninguém mais. Não foi por Poe, pelo corvo e ninguém mais. Bebi por mim e ninguém mais. Bebi por querer, bebi por beber. E nada mais. Por querer, por ser, por viver. E nada mais. Não foi por querer estar tonto, nem pronto. Foi por querer e nada  mais.  Não foi por ter sido traído, nem por ter desistido, nada mais. Não foi por ter sido, não foi pra ter ido. Foi por ter bebido. E nada mais. Não foi por estar sensível ou achar horrível, mas por ser incrível, e nada mais. Não bebi por estar triste nem feliz, foi por que quiz. Não foi por comemorar, nem por agradecer, foi por querer.  Não foi para lembrar, nem para esquecer. Foi por querer ser, querer viver. Apenas bebi por querer, por vontade de beber, e nada mais.

07/11/2019

©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

02/11/2019

Barra, Barata, Barcelos

Barra, Barata, Barcelos
Barata Cichetto



Somos três amigos. Um preto, um branco e o outro mulato,
E desafiamos aos sentidos, do estrito, do restrito e do lato.
Disseram que não podíamos ser, dividiram as nossas cores,
E mentiram que éramos menores que nossas próprias dores.

A igualdade é o que temos, a desigualdade é o que querem,
E se somos diferentes somos melhores do que nos preferem.
Insistem que deixemos de ser o que somos, da cor ao penhor,
E que assim tenhamos um único amo, proprietário e senhor.

Não somos escravos de nossas peles, corpos meras carcaças,
E assim, diferentes irmanados em nossas próprias desgraças.
Mostraram o caminho do ódio que nunca quisemos por bem.
Conceitos que não nos pertencem, e os lucros são de alguém.

Barra, Barata, Barcelos, três amigos com honradas histórias,
Profetas poetas, em outras eras cobertos seriamos de glórias.
Temos as cores, mas cores não nos culpam, e nem absolvem,
Mas por elas é que as areias geladas deste mundo se movem.

Somos três seres. E fossemos um e seriamos bem menos,
Pois querem que nós nos dividamos, não que somemos.
E por Barra, construtor que une a argamassa com cal frio,
A Barata junta-se Barcelos, o profeta com olhar de arrepio.

Penso agora sobre meu destino e em cantigas do meu exílio,
E na esquina da Gonçalves Dias realizamos nosso concílio,
Crânios dos cachorros, troncos calcinados e esculturas finas,
No lombo trazemos a verdade e nas mãos carregamos sinas.

Percorrem as pernas cansadas os trilhos de aço da ferrovia,
Sobre dormentes de madeira o som que há muito não ouvia.
Há velhas máquinas que gritam na madrugada rumo à morte,
E um velho guardião dos rios, segue traçando a própria sorte.

Não há ordem no caos, nem justiça na terra da barbárie,
E o dente social, na boca do mal é o que sofre com cárie.
Bodes usam coturnos, e porcos fumam charutos cubanos,
O que nos resta é a solidão dos últimos redutos humanos.

Entre as linhas da pele nossa própria história escrevemos,
Falamos o que ouvimos e enxergamos além do que vemos.
Dois séculos e tanto mais somam todas as nossas idades,
Então fazemos do tempo um cavalo alado de realidades.

O que importa é o caminho, e não aonde queremos chegar,
Importante são os pés, e não a estrada, o terreno e o lugar.
De aço é o trem e os trilhos, e de madeira são os dormentes,
E a terra fria do cemitério único remanso de nossas mentes.

Somos em três: um é profeta, o outro poeta, e um é pedreiro,
E nunca sabemos quem é um, o outro ou quem é o primeiro.
Falamos em círculos, por mesóclises ou por colorida elipse,
Um triângulo escaleno, ênclises, e cavaleiros do apocalipse.

Barra, Barata, Barcelos, ou em qualquer ordem três profetas,
Que o mundo insano insulta como se fôssemos meros poetas.
Trajamos armaduras dos guerreiros, ultrajamos o estandarte,
E fazemos do que somos, muito além da existência, pura arte.

27/10/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

28/10/2019

Gôndolas

Gôndolas
Luiz Carlos Cichetto



Neste supermercado insano, os gênios são pintados com as mesmas cores dos medíocres, embalados e rotulados da mesma forma, e colocados lado a lado, na mesma gôndola, e depois vendidos pelo mesmo preço, como se fossem todos gênios. Portanto, é quase impossível que se perceba a diferença, e o "consumidor" paga o preço. Sempre paga pelo que lhe é oferecido. Essa é a tática comercial dos que alimentam o supermercado da ideologia coletivista.

©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


26/10/2019

Não Me Peça Almoço de Graça, Estou Vendendo o Jantar de Amanhã

Não Me Peça Almoço de Graça, Estou Vendendo o Jantar de Amanhã
Barata Cichetto



Morta há 50 anos, a verdadeira diva e dama do Teatro Brasileiro, numa época em que lacração política não era a atividade principal de artistas, Cacilda Becker disse com propriedade: "Não me peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender". Então, fico aqui pensando com aqueles botões que não tenho na minha roupa, o quanto ela tinha razão, e o quanto artistas de hoje são perfeitos idiotas. Em busca de um minuto (nem quinze mais) damos de graça a única coisa que temos para vender: nosso talento, nosso trabalho, nossa arte. Damos tudo isso de graça, juntamente com outras coisas, que todos - independente de ser artistas ou não - temos de maior valor, que é nosso tempo. Damos tudo isso de graça, enchemos páginas e páginas de conteúdo de sites como o Facebook, cujos donos enriquecem, enquanto permanecemos do lado de fora, mendigando cliques de curtidas e compartilhamentos totalmente inócuos. Damos de graça aquilo que temos para vender. É uma troca? Não, não é. Seria uma troca se recebêssemos pelo que postamos, seria uma troca se recebêssemos um quinquilhão do dinheiro ganho pelos donos bilionários dessas redes. Ademais, damos de graças nossa arte: publicamos poemas que antes deveriam ser impressos em livros e comprados por interessados realmente em poesia. Damos de graça pinturas, imagens, músicas, dramaturgias, e achamos que curtidas e compartilhamentos valem o mesmo que aplausos e dinheiro. Damos pérolas a porcos sequer se dão ao trabalho de ler um texto até o final, que não se detém um minuto para prestar atenção numa arte visual. Então além de darmos de graça o que poderíamos estar vendendo, ainda recebemos o total desprezo. Um poema pode demorar horas ou meses para ser escrito, o mesmo de uma pintura, mas nessas redes não são saboreados por mais de poucos minutos. Somos otários egoístas, enganados por cliques em um ícone maldito de um sinal de "positivo". É isso, apenas isso o que paga pelo seu trabalho? É só isso que custa sua arte? Ah, sim, isso quando ainda não pagamos para "impulsionar", pagando a essas redes milionárias para usufruir de nosso trabalho, na mesma ânsia vaidosa por nos sentirmos amados e queridos por pessoas que sequer se importam com nossas existências. A propósito, o assunto aqui não é Cacilda Becker.

26/10/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


25/10/2019

Cargas do Presente, Trilhos do Passado, Futuro Sem Rumo

Cargas do Presente, Trilhos do Passado, Futuro Sem Rumo
Luiz Carlos Cichetto



Há mais de um ano morando em Araraquara, na Vila Xavier, perto do centro da cidade, e esperando o momento certo: filmar a passagem do trem da Rumo (ex ALL), em sua chegada. Já tirei inúmeras fotos, mas nunca consegui estar no momento exato em que se aproxima. Ontem, por "acaso", consegui. Quando percebi a composição chegando, me posicionei bem ao lado dos trilhos, saquei o celular e apontei. Estar a menos de um metro da composição, sentindo a trepidação do chão me deu um pouco de medo no início, mas valeu. As trepidações da câmera são pela vibração da passagem, e o vídeo está em tempo real, com os pouco mais de cinco minutos que durou. Quem tem interesse e admiração por trens como eu, decerto irá gostar sentir o que eu senti e entender a emoção. Só lamento que todo o sistema ferroviário do país, que nasceu e cresceu pelo trabalho de pessoas como o Barão de Mauá, tenha sido sucateado, e hoje quase não reste mais nada, a não ser essas linhas de carga operadas pela Rumo. Mesmo essa linha está com os dias contados, já que as áreas que ela ocupam estão no centro da cidade e, claro, a prefeitura tem outros planos, como entregar à especulação imobiliária, com a desculpa de que "a população da cidade não quer o barulho dos trens". Que esse vídeo sirva de registro futuro, quando as cidades não mais terão trens.

 Araraquara, 25/10/2019
© Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados


21/10/2019

Circo dos Horrores

Circo dos Horrores
Luiz Carlos Cichetto

Arte: Mariano Villalba - Argentina

- Hoje tem espetáculo?
- Tem não senhor! O palhaço morreu de rir e o leão ficou sem dentes. A mulher barbada agora é feminista e mostra os peitos em passeatas de protestos de esquerda na Rebouças. O domador tirou a casaca, colocou um terno e gravata e agora é deputado federal pelo partido socialista da casa do caralho. O anão cresceu tomando esteroides e agora é astro pornô, o malabarista ganha um dinheiro engolindo fogo e chupando rolas nos semáforos da esquina da São João com a Ipiranga cantando "Sampa" em ritmo de "Funk". Hoje não tem espetáculo, que a corda foi roída e a trapezista despencou sobre o picadeiro, ficou tetraplégica e agora tem um canal no Youtube falando de superação. O mestre de cerimônias agora é MC, comprou colares de ouro falso e depois de abrir as jaulas e soltar todas as feras, que dançam e transam aos domingos em praça publica ao som de metralhadoras de traficantes, ficou milionário aos dezoito anos e tem doze filhos de trinta mães diferentes. Hoje não tem espetáculo, que a plateia não veio, quem chegou pagou meia, e o resto é estudante. O bilheteiro agora é sindicalizado, e não trabalha aos domingos, o pipoqueiro coloca cocaína no fundo do pacote de pipocas e todos gritam no picadeiro que se solte o bandido e prendam o policial. Hoje não tem espetáculo, que o terreno do circo foi arrendado, e agora é a sede nacional do partido dos desgraçados. Hoje não tem espetáculo, que o circo foi queimado pelos integrantes do partido de Nero. Não tem espetáculo, não tem missa, não tem sarau, mas tudo é circo, tudo é picadeiro, e tudo é morte. Como circo dos horrores, no circo real. Do Brasil.

21/10/2019
© Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

16/10/2019

Com Respeito Aos Professores

Com Respeito Aos Professores
Luiz Carlos Cichetto
© Direitos Autorais Reservados


Não, não é verdade que no Japão as únicas pessoas que não precisam se curvar ao Imperador sejam os professores. E isso não é demérito nenhum a essa classe, já que por respeito à tradição japonesa, milenar, absolutamente todas as pessoas devem se curvar perante ele. Uma questão difícil para certos "professores" brasileiros, que se curvam e ostentam camisetas com imagens de assassinos, reverenciam ditadores e subvertem com ideologias mentirosas as cabeças dos estudantes. Professores merecem respeito, não apenas no dia 15 de Outubro, mas em todos os dias do ano, mas é preciso que antes aprendam a respeitar. Professores devem todos se curvar diante da responsabilidade que têm, para que recuperem o respeito que nós sempre tivemos por eles.

15/10/2019

12/10/2019

"Não Deixe Sua Criança Interior Morrer"

"Não Deixe Sua Criança Interior Morrer"
Luiz Carlos Cichetto
©Direitos Autorais Reservados



Dia da Criança. "Não deixe sua criança interior morrer", pede uma imagem postada em rede social.  Ah, sim, a "minha", eu não deixei morrer, mas ela morreu, sim. E não é por eu ter mais de sessenta, cabelos e barba brancos, ela morreu bem antes disso acontecer. Não lembro quando, mas ela morreu, há muito tempo. Não me lembro do que morreu, mas foi de algo parecido com inanição, pancada, traição, e especialmente falta de referências. Sim, falta de referências, pois quando a gente cresce e se torna pai, a criança brota, fica risonho e quer, como ela, tornar a aprender tudo que já viveu. E cresce novamente junto com os filhos, se torna adolescente junto com eles e espera que quando juntos ficarem adultos possam ser amigos. E depois, um tempo depois, recomeçar tudo com os netos. Quase foi assim comigo. 

Meus sonhos, ao contrário da menina mimada Greta, uma quase Nobel, foram tomados à força, quem sabe para alimentar algum filho da puta, que a bordo de seu iate brada por igualdade brindando com champanhe uma ideologia mentirosa que rouba os sonhos que ousáramos sonhar. Os que me foram tomados com violência na infância, e que tornei a deixar crescer quando me tornei pai, foram roubados pelo ódio imputado pelas putas e pelos putos, que transformam em ódio tudo o que era amor, em rancor o que era pudor. Sim, senhores que agem com ódio mas pregam o amor, que separam filhos de pais e pais de filhos. A quebra de autoridade - a não ser a sua - é sua premissa. Seu ódio a tudo que possa representar seu desmascaramento é necessário, portanto, e gerar a desigualdade é sua forma de provar que a igualdade é um bem.

Criaram um exército de molambos, formados nas fileiras das faculdades, que ovacionam por justiça, desde que seja apenas a sua; que gritam por liberdade, desde que seja apenas a sua; que clamam por trabalho, mas alimentam seu capital. Roubaram e estupraram as mentes das crianças, transformando-as em robôs totalitários. Tudo isso à custa dos meus sonhos e de muitos outros. 

"Não deixe a sua criança interior morrer", pede a imagem. A minha não deixei, não. Ela foi assassinada. Feliz Dia das Crianças, a todos os pais cujos filhos chamam um gângster de pai.

12/10/2019

30/09/2019

Escritores Precisam Parar de Ler

Escritores Precisam Parar de Ler
Luiz Carlos Cichetto



Sempre fui um bom leitor. Desde garoto lia muito. De histórias em quadrinhos a clássicos brasileiros como Machado e Alencar; de  livros de receitas da Dona Benta aos catecismos do Carlos Zéfiro. Lia de tudo, qualquer coisa que caisse à frente de meus olhos. Lia embalagem de papel higiênico e bula de remédio quando ia ao banheiro cagar; lia embalagem de preservativo antes de foder uma puta e propaganda em revista de mulher pelada. Qualquer coisa eu lia, lia qualquer coisa mesmo. De fichas técnicas em discos, contracapas e orelhas de livros a manuais de instruções de liquidificadores. E até notas fiscais eu lia. Poesia, prosa, prosa em poesia, poesia em prosa, tudo eu lia. Romance, ensaio, biografia, era tudo o que eu queria. Aí comecei a escrever, e então lia mais ainda. Queria ser igual, queria ser melhor que todos os que lia. Augusto, Baudelaire, Charles, Huxley, Orwell eram minha sobremesa, meu café da tarde e meu jantar e meu remédio para dormir, ou ficar acordado. Lia, lia, lia. Lia até a mim mesmo, o que eu escrevia. E as vezes me achava bom, às vezes não. Eu sabia o que queria. E quanto mais eu lia, mais eu escrevia. Agora não sei. Depois de tantos anos, e já se foi meio século nessa brincadeira de ler que me esqueço de ler. Além dos olhos cansados e os braços um tanto curtos para enxergar um livro, há a canseira de alguém que tanto leu, que se esqueceu o que era seu. Não leio mais. Escrevo sem ler. Afinal sou um escritor, e escritores precisam ter tempo para viver.

30/09/2019

25/09/2019

Um Pouco do Que Fiz, Mas o Google Não Diz

Um Pouco do Que Fiz, Mas o Google Não Diz


- A Barata - Portal de Rock e Cultura - 1997/Presente
- Gatos & Alfaces - Revista Impressa (6 Edições) - 2014/2015
- Editor'A Barata Artesanal - Editora Artesanal - (80 Títulos) - 2010/2018
- Fest'A Barata - Evento de Rock, Arte, Poesia (2 Edições) - 2002/2003
- Patrulha do Espaço - Manager da Banda - 2002/2004
- Rock In Poetry - Evento de Rock, Arte, Poesia (8 Edições) - 2014/2018
- Vitoria (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2010
- Seren Goch:2332 (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2013
- Madame X (Opera Rock com Amyr Cantusio Jr.) - 2015
- Tublues - Parceria em Musica - 2003
- Renato Pop - Parceria em Musica (3) - 2010/2011
- Psychotic Eyes - Parceria em Musica - 2016
- Crom - Parceria em Musica - 2015
- Cesar Achon - Musica e Poemas Musicados - 2009
- 90 Pinturas - Tinta Látex Sobre Papelão - 2016/2017
- Mais de 100 Artes para Camisetas
- 5 Programas de Webradio - 2008/Presente
- 3 Emissoras de Webradio - 2010/2018
- 120 Sites Para Internet - 1999/2019
- Centenas de Peças de Artesanato em Madeira - 2008/2019
- Quase 100 Logotipos para Empresa, Bandas, Artistas
- 100 Vídeos de Poesia e Lyric Videos Criados - 2007/2019
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22/09/2019

Lumpesinato

Lumpesinato 
Luiz Carlos Cichetto


O termo Lumpen Proletariat, que pode ser traduzido como lumpesinato foi criado por Karl Marx e Friedrich Engels em 1845, e designa o queeles chamam de "subproletariado": "a população situada socialmente abaixo do proletariado, do ponto de vista das condições de vida e de trabalho, formada por frações miseráveis, não organizadas do proletariado, não apenas destituídas de recursos econômicos, mas também desprovidas de consciência política e de classe, sendo, portanto, suscetíveis de servir aos interesses da burguesia. Assim, segundo os teóricos da revolução, o lumpemproletariado seria pernicioso, já que seu cinismo e sua absoluta ausência de valores poderiam contaminar a consciência revolucionária do proletariado."

Interessante notar, quando olhamos com olhos mais sinceros e ouvidos não contaminados, que é justamente essa parcela da população que serve aos interesses da "esquerda". São essas pessoas que, por medo, ignorância ou interesse próprio alimentam a causa deles. São usados como bucha de canhão por uma burguesia socialista-comunista que miram em seus próprios interesses apenas. Assim, comunidades pobres são usadas como escudo humano, protegendo traficantes e alimentando a catarse popular. Jogar a população contra a polícia, protegendo assim o crime, é apenas a ponta visível de um iceberg. 

Temos sim, que nos indignar contra qualquer espécie de abuso, temos sim que lamentar mortes, mas que sejam todas. Há mártires, sim, mas de todos os lados. Eleger como herói um bandido morto e nem tomar conhecimento de um um policial torturado e morto não me parece uma atitude humana, mas é esse o jogo deles. Aliaram-se a bandidos, pois que são bandidos. E bandidos não tem moral, não tem ética, não tem humanidade.

22/09/2019

13/09/2019

Selvageria - Uma Escultura

Selvageria - Uma Escultura
Luiz Carlos Cichetto








Há cerca de duas semanas, precisava atravessar a linha de carga da Rumo, mas como o trem tinha parado, tomei a decisão de contornar pelo fim da composição. O local é bem deserto, e ao andar sobre as pedras onde se assentam os dormentes, deparei com alguns ossos, e ao lado deles um crânio, que me parecia ser de cachorro. Apanhei, e notei que o mesmo deveria estar ali há anos, pois estava completamente limpo e seco. Decidi apanhar e levar para casa.
No dia seguinte com a ideia de procurar um pedaço de madeira, cerca de cinquenta metros do local onde encontrara a tal caveira. Logo de cara, um galho, parcialmente queimado, com uma forma que prontamente identifiquei, como um elefante, com a cabeça erguida e a tromba levantada, como se tivesse gritando de dor. Na hora a associação com as duas peças se fez, e a escultura se materializou na minha cabeça. O tronco, além de queimado tinha sinais que teria sido antes serviço de lar e alimento para alguma comunidade de cupins, o que aumentava mais ainda o conceito de vida e morte.
Trabalhei nos últimos dias preparando o tronco, aplicado óleo queimado para eliminar ainda possíveis cupins e removendo partes soltas de cascas. O crânio foi colocado de molho em uma solução para higienizar. A cada gesto, a cada atitude, minha cabeça viajava sobre as histórias de todas as vidas que tinham um dia habitado aquelas peças e que hoje não mais existiam. Aquele cão, qual seria sua história? Do que teria morrido? Há quanto tempo? Ele poderia ter sido de alguém, que pode ter ficado triste com seu desaparecimento. Um caudal enorme de vidas entrelaçadas, alegrias e dores, todas ali, naquele crânio de cão. 
E o pedaço de madeira? A qual árvore teria feito parte, antes de servir de moradia de cupins vorazes, ter sido cortado e depois queimado? Quanta vida tinha existido naqueles pedaços de coisas mortas que agora eu tinha em minhas mãos? Uma enorme sequencia, decerto. Alguém matou o cão, alguém cortou e incendiou o galho, mesmo que sem qualquer intenção de matar. A selvageria natural.
Preparei tudo com muito respeito a essas vidas, e com o espírito de quem prepara um monumento. O resultado é uma obra de arte? Não sei, não entendo de arte, e nunca tinha feito nenhuma escultura. O máximo que cheguei foi há três anos, incentivado por minha "madrinha" Nua Estrela, pintar algumas coisas.
Por fim, penso agora que isso é alguma espécie de convergência, que me fez unir essas peças, como se estivessem me esperando para juntá-las, e senti uma espécie de conforto filosófico e poético ao concluir. Essas vidas tão dissociadas, ou nem tanto, agora estão interligadas e me soam como um tributo à selvageria natural, parte de toda vida.

13/09/2019

10/09/2019

Domingo no Parque

Domingo no Parque
Barata Cichetto


Sai de casa. Precisava de paz, um lugar para fumar meu cigarro e ler um livro, e talvez olhar algumas bundinhas chacoalhando em bermudas curtinhas. Fui a um parque público, um lugar enorme, cheio de tudo o que eu precisava: natureza, tranquilidade, pessoas bonitas. O lugar perfeito para ler, pensar e fumar. Na entrada do parque uma placa e um segurança mal encarado me diziam ferozmente que eu não podia fumar. Não quis contestar. Era a lei e a lei a gente respeita. Entrei, procurei um banco que não fosse coberto com bosta de pombos. Achei um mais ou menos limpo. Sentei e abri o livro. Duas garotas passaram correndo, com as tais bermudas coladinhas, naquele passinho aprendido nas academias de ginástica e olhando o Apple Watch no pulso. Fiquei olhando. Uma dela me lançou um olhar de nojo e continuou saltitando. Abri o livro. Ainda restava ler e pensar. Um grupo de moleques, pré-adolescentes, quatro ou cinco garotos e duas garotas, sentados na grama bebiam cerveja e ouviam "Funk", repetindo o refrão pornográfico e as moças ficavam de quatro na grama e rebolavam, enquanto os garotos a bolinavam. Somando todas as idades, decerto não daria a minha. Tentei me concentrar no meu livro e nos meus pensamentos. Ayn Rand, A Revolta de Atlas. Um pombo deu uma cagada bem na página 333.  Limpei. Levantei e instintivamente apalpei o maço de cigarros no bolso calça, peguei um e acendi. Nem tinha dado minha primeira tragada e um segurança, sujeito negro, enorme e careca se aproximou em um patinete motorizado, e começou a berrar que era proibido fumar no parque. Já no susto o cigarro caiu e o brutamontes o pisoteou e disse que se eu insistisse ele me retiraria à força do local. QAP? QSL? Ele saiu, e parecia que não tinha pés, mas rodas em seus lugares. Fiquei olhando para meu cigarro esmagado, que custa caro e paga 57 impostos e ainda olhei para o grupo de adolescentes que riam de mim. Eu só queria ficar em paz, ler e pensar, num lugar com pessoas e coisas bonitas. Ainda tempo de pensar. Era só o que sobrara. Procurei outro banco, mas quase todos estavam ocupados ou cagados demais. Tinha um local mais afastado, meio ermo até, e fui até lá, mas o único banco disponível estava ocupado. Dois sujeitos, muito magros e maltrapilhos dividiam um cachimbo de "Crack". O segurança passou ao largo, com suas rodas mecânicas em lugar de pés. Os sujeitos me olharam assustados. Abanei a cabeça e sai de perto. Um homem de terno passeava com um enorme e caramelado Chow-Chow japonês e puxou a guia do cão, não sei se para proteger-me do animal ou ele de mim, e uma mulher empurrava um carrinho de bebê com apenas uma das mãos, enquanto a outra digitava freneticamente no celular. Decidi ir embora, ler e pensar em outro lugar, que em parques não se pode pensar, não se pode fumar. É a lei.Na grama, deitados, dois casais se beijam e se chupam e se cospem e quase se despem. No caminho de pedras gastas doze policiais e dois jovens normais, amados ou não, armados ou não. Eu ainda lembro das flores, dos canhões e das canções, mas não tenho mais emoção. Ainda lembro da fumaça, mas esqueci do fogo. E isso me dá vontade de fumar. Esqueça a canção.  O moleque catarrento me pede um cigarro. Eu digo que não. Ele não sabe ainda que é proibido fumar no parque? Nem tem sete, e me mostra o canivete. Lá se foi outro cigarro, só me sobrou o escarro. Onde andam as estátuas do parque, pergunto ao policial. E ele responde, bem ali debaixo daquele monte de tinta colorida de spray color gin vermelha a arma da revolução. O sujeito cabeludo e barbudo me intercepta bruscamente e pergunta se gosto de poesia. Enfio a mão o bolso e ele arregala os olhos. Tiro um poema e ele sai correndo com suas duas folhas de papel dobradas em quatro, me olhando feio, sem esperar que eu pegue o dinheiro no outro bolso. O parque está imundo. Merda de pombo, camisinhas sujas de esperma, papel de picolé, folhetos de propaganda de supermercado; a grama esmagada e os girassóis murchos. Girassol me lembra sol e sol me lembra calor e calor lembra fogo. Alguém tem fogo? Eu perguntaria, e depois de fumarmos juntos sairíamos para festejar, cantar ou fazer uma revolução. Mas, não, agora não podemos fumar juntos, então não mais festa, nem cantoria e nem revolução. Onde há fumaça sempre há fogo, dizia minha avó que morreu fumando. Onde não há fogo não tem calor, e sem calor nada tem valor. Acho que tinha uma canção dos tempos em que fumantes ainda não eram criminosos que dizia isso. Uma canção antiga, dos tempos em que ainda eu podia ir ao parque fumar. Os tempos mudam? Não, os tempos não mudam, são sempre os mesmos ponteiros que marcam as mesas horas todos os dias ao longo dos milênios.  Mudam as leis, mudam as pessoas, e mudam as coisas de lugar, e só agora sei que é um pecado fumar. Na saída, respirei aliviado, mesmo depois de ser atingido por uma bela cagada de pombo que escorreu pela minha barba. Apanhei um cigarro no maço e acendi, soltando uma vitoriosa baforada para cima. Dei um passo na calçada, outra tragada. Uma velhota passou e reclamou da fumaça e do fedor, abandando com a mão enrugada, o segurança de rodas eletrônicas me olhava com cara de bosta do portão. Era um domingo, fui ao parque. Queria ler, fumar, pensar, ver gente, que nem precisa mesmo ser bonita, bastava ser gente. Era um domingo no parque. E podia até ser segunda-feira, que qualquer dia é dia de intolerância. Não vou mais ao parque, prefiro pensar dentro de casa onde ainda posso fumar e pensar. Fumar no escuro, que a claridade é para os intolerantes e ditadores. É proibido fumar no parque. Há fumantes passivos e amantes lascivos. Falantes nocivos. Até que decidam me proibir de pensar. Até que um dia decidam que sou um perigo à saúde pública, que pensar faz mal à saúde, até que me proibam de estar em casa, aque a arrombem, que apaguem o cigarro na minha testa. E que me matem. Em nome da saúde pública e da maldade privada. 

10/09/2019

08/09/2019

Porcos Não Usam Colares

Porcos Não Usam Colares
Luiz Carlos Cichetto


Porcos dividem o mesmo cocho, a mesma lavagem, feita de sobras das mesas do poder. E um empurra o outro, dizendo que o outro é mais porco. O porco branco se acha melhor que o porco preto, o porco amarelo se diz superior. Cobram se entre si o que nenhum deles deve, enquanto a lavagem esfria. Todos são porcos diferentes, mas alguns porcos são mais diferentes que outros porcos. Ou mais porcos que outros. Enquanto isso, estala o chicote no lombo de todos os porcos, porque para os donos da porcaria, todos os porcos são iguais, e é ilusão da igualdade o que os separa. Do cocho ou da mesa de jantar. Que tipo de porco você é? Dá para escolher. Ou não?

07/09/2019

07/09/2019

Esperando Manuel

Esperando Manuel
Luiz Carlos Cichetto

Meu amigo Manuel chegou de Portugal ontem. Fui esperá-lo no Aeroporto. Ele chegou cansado, mas eufórico, afinal o que eu lhe tinha prometido anos atrás era mesmo para causar euforia. Quando publiquei meu primeiro romance, Manuel foi o primeiro a comprar. Eu era um escritor muito pobre, sem esperanças de publicar, e muito menos de um dia chegar ao patamar aonde cheguei.

Manuel, meu amigo, tinha um sonho, que era participar de um bacanal com doze putas em Paris, e eu prometi que se um dia eu fosse um escritor rico, iríamos os dois até lá, contrataríamos as tais moças e faríamos nossa festa. Fiquei rico como escritor, e nunca esqueci a promessa, que só não foi possível acontecer da forma como sonháramos pelo fato de que Paris não existe mais. Foi tomada por islâmicos e depois incendiada, sob s aplausos dos comunistas franceses. Ele não quis que fosse em Portugal, pois é amante da cultura brasileira, embora eu insistisse com ele que a cultura que ele tanto admira também não existe mais, pois tudo foi tomado pelos comunistas brasileiros em uma estranha união com os neo-pentecostais. 

Saímos do Aeroporto, onde o topo da torre de controle ostenta o logotipo do governo, que é uma foice e uma cruz - não sei bem se é uma cruz ou uma espada, pois deve ter sido proposital o desenho estilizado para confundir - E atravessamos várias avenidas, onde tremulam bandeiras vermelhas com esse símbolo, e nos dirigimos para o Hotel Stalin, onde eu tinha feito reserva para o bacanal. As doze putas já deviam ter chegado. Todos os prédios governamentais tinham nomes de ditadores comunistas ou de pastores evangélicos. 

O recepcionista, que tinha barba, dois seios enormes, ancas largas e músculos aparentes, usava um cabelo de todas as cores do arco-íris e deu um murro no balcão. Eu não tinha de fato reserva, aliás, nem me conhecia, meu nome não constava entre as pessoas autorizadas a usar o Hotel, já que minha pontuação era baixa demais por proferir criticas ao Governo. Ainda tentei ponderar que eu era um escritor rico, e que tinha dinheiro para pagar o quarto e as putas. Ele disse que putas não me eram autorizadas, e que elas eram exclusivas aos membros do Partido ou do Templo.

Nervoso, Manuel ameaçou um escândalo, mas eu o contive. Eu era um escritor rico e poderia pagar por outras putas. Andamos horas por avenidas como a Edir Macedo e Lula da Silva, entramos por vielas escuras com nomes como Geisi Arruda, Manuela D'Ávila e Sônia Hernandes. Estavam desertas, cheiravam a urina e todas as paredes dos imóveis estavam pichadas. Não encontramos nenhuma puta. Deviam estar todas ocupadas bordando as fardas dos valorosos soldados brasileiros que tinham sido mandados à Venezuela lutar pela liberdade da América Latina, numa guerra que se estende desde que Maduro morreu aos 108 anos, e deixou em seu lugar um filho bastardo que teve com uma brasileira.

Meu amigo Manuel ficou triste. E eu também. Há dez anos esperamos por aquele momento. Não iríamos ter nosso bacanal, nenhuma puta e nenhuma celebração. Levei-o de volta ao Aeroporto. Ele embarcou triste e eu voltei para meu quartinho nos fundos de uma casa caindo aos pedaços, ocupada por traficantes armados, que também ostentam o símbolo do governo na porta. Agora são declaradamente amigos, já que a guerra que eles supostamente travavam era apenas um disfarce.

Eu contei que era um escritor rico, mas não disse que tinha dinheiro. Todo dia vou ao Aeroporto imaginando que vou esperar meu amigo Manuel, que nem sei mais se está vivo, já que todas as nossas comunicações foram cortadas depois de que o Facebook, propriedade do Presidente dos Estados Unidos, da ONU e da OEA, Mark Zuckemberg declarou guerra a todos os que se opunham, e bloqueou não apenas a rede, como toda a Internet e as comunicações. Sou um escritor rico, pois ainda escrevo coisas que ninguém lê, por não poder nem querer, e minha riqueza são apenas pilhas de papel empoeirado numa estante de tábuas de construção.

07/09/2019

04/09/2019

Resenha Sobre A Mulher Líquida, Por Genecy Souza

Resenha Sobre A Mulher Líquida
Por Genecy Souza
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Sou um dos muitos homens que puseram as mãos em Angela Maria. No meu caso, só as mãos mesmo. O autor não me deu a chance de usar outra coisa (risos). De qualquer modo fiquei muito lisonjeado por ser citado pela (anti?)heroína.

Angela é o que se chama de mulher-problema. E é dessa forma que, de cama em cama, de homem em homem, de enrascadas em enrascadas, contrassensos em contrassensos, a mulher liquefaz toda um ordem moral e todo um ordenamento social que ela ousa desafiar com a única arma de que dispõe: o sexo. 

E Marquês de Sade.

E rock and roll.

E Belchior... tratado aqui como uma espécie de guru -- ou um norte incerto --, cuja poesia-voz-música-e-bigode o excluem longa lista de homens-objeto de Angela, pelo simples fato da existência da enorme distância física entre eles. O poeta e sua dileta ouvinte nunca se tocaram. Não trocaram fluídos.

A Mulher Liquida é aqui mostrada nua e exposta. E tal exposição também desvenda a nudez moral de pessoas amorais fora dos holofotes sociais e comportamentais, a começar por sua família. 

Angela Maria enfrentou o mundo com seu sexo e flertou várias vezes com a morte, e até tentou ser feliz em seu mundinho dissoluto. Na verdade, até foi. Mas era só um sonho.

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