O CONTEÚDO DESTE BLOG É ESPELHADO DO BLOG BARATA CICHETTO. O CONTEÚDO FOI RESTAURADO EM 01/09/2019, SENDO PERDIDAS TODAS AS VISUALIZAÇÕES DESDE 2011.
Plágio é Crime: Todos os Textos Publicados, Exceto Quando Indicados, São de Autoria de Luiz Carlos Cichetto, e Têm Direitos Autorais Registrados no E.D.A. (Escritório de Direitos Autorais) - Reprodução Proibida!


Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens

04/01/2020

Um Conto Sem Crime Nem Castigo

Um Conto Sem Crime Nem Castigo
Barata Cichetto

Guerreiro das Palavras - Nua Estrela


O lugar era enorme, com cerca de umas duzentas cadeiras, daquelas antigas de cinema de bairro, de madeira, todas tomadas por pessoas que tinham livros nas mãos. Era o mesmo título, um volume de poemas. 

Eu, sentado em um banco alto, de madeira, tinha ao lado um rapaz jovem que acompanha e ponteava as leituras com um contrabaixo, o mais maravilhoso dos sons. Seu instrumento tinha apenas duas cordas, as mais graves, no estilo Mark Sandman, do Morphine. 

E eu lia cada poema como se fosse o único e o ultimo. Gritava, gesticulava, enchia os pulmões e às vezes escarrava e cuspia. Uma mesinha ao lado tinha Jack Daniels e dois copos. O rapaz do contrabaixo, sempre de cabeça baixa, se concentrava nas palavras que eu cuspia e berrava, e as emoldurava com as mais belas notas.

Ao final de cada leitura, a plateia toda aplaudia. Eu agradecia e abria outra página do livro. Outro poema. Outro urro. Outro grito.

Era uma festa, sem bolos nem felizes aniversários, mas as pessoas me eram simpáticas e me ouviam. Algumas, no entanto, incomodadas com o teor vagabundo e sacana do meu livro se levantavam e saiam. Outros xingavam e jogavam o livro na minha cara. E eu rosnava. Furioso. Aquilo era a poesia que eu queria.

De repente, as pessoas se dirigiram ao pequeno palco e começaram a me bater com os livros. Eu gritava. E rosnava. E xingava. E, sobretudo, sangrava. Mas não parava de ler, de gritar, de urrar. Eram poemas duros, eu sei. Eram poemas ferozes, eu sei. Eram poemas pornográficos, eu sei. Eram poemas putos, impuros, conservadores, drásticos, eram poemas com todas as cores e eram ao mesmo tempo transparentes. 

Havia palavrões, havia paixão, havia tesão naqueles poemas. Mas quanto eu lia, mais apanhava, era surrado e espancado por todas aquelas pessoas. Estava no chão, estirado, com a boca cheia de sangue, mas ainda soltava meu grunhido, como o de um lobo ferido. Olhei ao lado, e o contrabaixista se levantou e se foi. Fiquei sozinho.

Apanhei durante muito tempo, e quando consegui me erguer estava sozinho. Sangrando, com uma pilha de livros ensanguentados ao meu lado. Escutei um burburinho que vinha do lado de fora, depois vi dois policiais entrando no local. Colocaram-me algemas e me enfiaram numa viatura.

Passei anos numa cela, sendo espancado por presos violentos, traficantes e assassinos. 

Mas nada daquilo foi em vão. Dentro da cela, passava o tempo escrevendo outros poemas e planejando minha vingança.

Quando sai, escrevi outro livro e fui ao mesmo lugar, mas não havia mais ninguém ali, nem para me aplaudir, nem para me espancar. Eu estava sozinho. E mesmo assim li meus poemas como se tivesse uma imensa plateia a me ovacionar. E havia, de fato: uma plateia de invisíveis, de mortos, que do lado de fora se espancava, dando gritos de liberdade a um político.

Texto apresentado no programa Almoxerifado, por Renato Pittas, em 03/01/2020


23/04/2018
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

Também publicado no Facebook em 03/05/2019
https://www.facebook.com/BarataCichettoEscritor/posts/1242643202533080

25/11/2019

Sol_Angel

Sol_Angel
Luiz Carlos Cichetto



Na ponta dos pés o homem entrou na cozinha, que era simples e com poucos utensílios. A mulher, trajada também simplesmente não percebeu sua chegada, entretida nos seus afazeres. Ela estava descalça e cantarolava alegremente, enquanto mexia nas louças da pia. Uma blusa cor-de-rosa de alça, com um grande decote deixava à mostra o colo dos seus seios, pequenos, mas de bicos pontiagudos.  
Ele se se encostou às nádegas da mulher e seus braços, magros e longos envolveram sua cintura. Ela fez que não percebesse, mas apertou a bunda de encontro ao pau dele, que a essa altura também estava duro.
Com delicadeza, mas firmemente ele abriu o zíper da calça comprida dela e desceu até o meio das coxas, magras, mas firmes. Ela soltou um gemido, que parecia um ronronado de gato, e jogou o pescoço para trás.
As mãos do homem, de dedos longos e finos percorreram o meio das pernas tateando a calcinha, que era um pouco gasta. Em segundos a calça jazia entre os pés da mulher e sobre ela a lingerie branca. Sua boca lhe percorreu o pescoço, depois a orelha. A língua desenhava círculos na pele dela, que se arrepiava a cada movimento.
Sem dizer nada, a mulher apoiou as mãos, que ainda estavam molhadas, na pia e ergueu os quadris. Toda sua pele tremia de desejo, suas pernas bambeavam e a vagina estava tão molhada que ela percebia uma gosma quente a lhe escorrer.
Em silêncio, o homem abriu o cinto de sua calça com rapidez e a desceu juntamente com a cueca, chutando-as para longe. Abraçou-a, apertando delicadamente os seios, ergueu-lhe os cabelos e mordiscou-lhe a nuca.  Sua respiração estava ofegante, descompassada e um vermelhidão tomava conta de seu rosto.
A mulher abriu as pernas num convite, e ele a segurou pela cintura e penetrou, calma e mansamente. Seu pênis ereto entrava e saía em movimentos que pareciam de um bailado, cuidadosamente ensaiado, acompanhando o mover das ancas dela, para frente e para trás.
A vagina dela estava quente e úmida, pois há muito esperava por aquele homem misterioso por quem ela sempre tivera desejo, e que agora aparecia ali, na sua cozinha, e a possuía como ninguém a tinha possuído até então. Era firme, seguro, forte, mas sem violência, e a possuía no sentido mais claro, tirando dela todo o prazer que jamais imaginara ser capaz.
Sua língua a percorria por onde era possível alcançar, seus dedos se enroscavam nos pelos da vagina dela. Seus gemidos agora eram tão altos que temeu acordar a vizinhança. Há quanto tempo ela esperara por aquilo, nem sabia dizer.
Depois de cerca de uma dúzia de minutos, o êxtase. Primeiro ela sentiu um choque elétrico, um orgasmo como nunca tinha sentido antes, percebeu que seu corpo inteiro tremia com aquele prazer. No mesmo momento, sentiu um jato quente lhe penetrar, como se fosse lava de um vulcão. O homem soltou um urro e a abraçou mais forte, quase esmagando-a contra a pia.
Delicadamente ela a virou de encontro a ele, olhou-me bem nos olhos e ameaçou dizer alguma coisa, mas se calou e beijou-lhe as pálpebras e o rosto, deu alguns passos e apanhou a calça e cueca num canto, vestiu-se e saiu, deixando a porta aberta.
Atrás de si, a mulher ficou parada, certa de que aquilo era apenas um sonho. Ou não...?

31/10/2019
©Luiz Carlos Cichetto - Direitos Autorais Reservados

07/09/2019

Esperando Manuel

Esperando Manuel
Luiz Carlos Cichetto

Meu amigo Manuel chegou de Portugal ontem. Fui esperá-lo no Aeroporto. Ele chegou cansado, mas eufórico, afinal o que eu lhe tinha prometido anos atrás era mesmo para causar euforia. Quando publiquei meu primeiro romance, Manuel foi o primeiro a comprar. Eu era um escritor muito pobre, sem esperanças de publicar, e muito menos de um dia chegar ao patamar aonde cheguei.

Manuel, meu amigo, tinha um sonho, que era participar de um bacanal com doze putas em Paris, e eu prometi que se um dia eu fosse um escritor rico, iríamos os dois até lá, contrataríamos as tais moças e faríamos nossa festa. Fiquei rico como escritor, e nunca esqueci a promessa, que só não foi possível acontecer da forma como sonháramos pelo fato de que Paris não existe mais. Foi tomada por islâmicos e depois incendiada, sob s aplausos dos comunistas franceses. Ele não quis que fosse em Portugal, pois é amante da cultura brasileira, embora eu insistisse com ele que a cultura que ele tanto admira também não existe mais, pois tudo foi tomado pelos comunistas brasileiros em uma estranha união com os neo-pentecostais. 

Saímos do Aeroporto, onde o topo da torre de controle ostenta o logotipo do governo, que é uma foice e uma cruz - não sei bem se é uma cruz ou uma espada, pois deve ter sido proposital o desenho estilizado para confundir - E atravessamos várias avenidas, onde tremulam bandeiras vermelhas com esse símbolo, e nos dirigimos para o Hotel Stalin, onde eu tinha feito reserva para o bacanal. As doze putas já deviam ter chegado. Todos os prédios governamentais tinham nomes de ditadores comunistas ou de pastores evangélicos. 

O recepcionista, que tinha barba, dois seios enormes, ancas largas e músculos aparentes, usava um cabelo de todas as cores do arco-íris e deu um murro no balcão. Eu não tinha de fato reserva, aliás, nem me conhecia, meu nome não constava entre as pessoas autorizadas a usar o Hotel, já que minha pontuação era baixa demais por proferir criticas ao Governo. Ainda tentei ponderar que eu era um escritor rico, e que tinha dinheiro para pagar o quarto e as putas. Ele disse que putas não me eram autorizadas, e que elas eram exclusivas aos membros do Partido ou do Templo.

Nervoso, Manuel ameaçou um escândalo, mas eu o contive. Eu era um escritor rico e poderia pagar por outras putas. Andamos horas por avenidas como a Edir Macedo e Lula da Silva, entramos por vielas escuras com nomes como Geisi Arruda, Manuela D'Ávila e Sônia Hernandes. Estavam desertas, cheiravam a urina e todas as paredes dos imóveis estavam pichadas. Não encontramos nenhuma puta. Deviam estar todas ocupadas bordando as fardas dos valorosos soldados brasileiros que tinham sido mandados à Venezuela lutar pela liberdade da América Latina, numa guerra que se estende desde que Maduro morreu aos 108 anos, e deixou em seu lugar um filho bastardo que teve com uma brasileira.

Meu amigo Manuel ficou triste. E eu também. Há dez anos esperamos por aquele momento. Não iríamos ter nosso bacanal, nenhuma puta e nenhuma celebração. Levei-o de volta ao Aeroporto. Ele embarcou triste e eu voltei para meu quartinho nos fundos de uma casa caindo aos pedaços, ocupada por traficantes armados, que também ostentam o símbolo do governo na porta. Agora são declaradamente amigos, já que a guerra que eles supostamente travavam era apenas um disfarce.

Eu contei que era um escritor rico, mas não disse que tinha dinheiro. Todo dia vou ao Aeroporto imaginando que vou esperar meu amigo Manuel, que nem sei mais se está vivo, já que todas as nossas comunicações foram cortadas depois de que o Facebook, propriedade do Presidente dos Estados Unidos, da ONU e da OEA, Mark Zuckemberg declarou guerra a todos os que se opunham, e bloqueou não apenas a rede, como toda a Internet e as comunicações. Sou um escritor rico, pois ainda escrevo coisas que ninguém lê, por não poder nem querer, e minha riqueza são apenas pilhas de papel empoeirado numa estante de tábuas de construção.

07/09/2019

07/06/2019

Nenhum Lugar Haverá a Ver

Nenhum Lugar Haverá a Ver
(Homenagem Crítica à Araraquara do Acadêmico Ignacio de Loyola Brandão)
Luiz Carlos Cichetto
Foto: Barata Cichetto, Araraquara, 2018

Tinha ficado tão quente que os pássaros morriam torrados em pleno voo ou ficavam grudados no asfalto derretido ao pousarem. As guias das ruas saltavam do meio fio feito pipocas de uma panela sem tampa; rabos incendiados corriam de cachorros e cabelos viravam tochas. 

As rochas inchavam e as gordas eram transformadas em poças de gordura onde crianças nadavam como numa tarde depois de um temporal. As nuvens subiam e escorriam como se fossem o lençol do sol, e tudo parecia torto e morto, queimado e inchado, e mais nada poderia ser feito, por nenhum sujeito, e nenhum prefeito foi candidato a ter ser retrato exposto, em Agosto, na Morada do Sol.

Zero é igual a nada, ou o nada é igual à zero? E entra na Academia o general escritor, de fardão ou camisola de dormir, e antes de sumir, ainda acena à multidão na Praça da Matriz, que por um triz não solta a serpente do porão. E do portão, a meretriz da Brasil, de fogo nos dentes, ainda perde clientes, por falta de sol
.
A situação deu desculpas, a oposição apontou as culpas, enquanto a cidade morria, derretia e escorria, debaixo do sol. E não tinha demônio de efeito, nem anjo perfeito que pudesse conter. Consertaram os defeitos, soltaram os sujeitos; aclamaram corruptos putos e chamaram as putas às lutas, mas mesmo assim, tudo parecia apenas fazer crescer a fúria. E com a injuria da cúria, chamaram os padres, os pastores, e os eleitores de senhores. E as senhoras das horas, presas damas das camas e represas damas, eram chamadas à guerra.

E tudo o que acontecia, diziam, era culpa do patrão, o empresário ladrão, que tinha o padrão de desculpa de ter sempre a mão, o vereador, amigo do ditador, cunhado do estivador, primo mais distante do conquistador. E tudo era obra, maldiziam, daquele que cobra, por seu dever, de achar direito, o que é desfeito sem se ver. O pau que bateu em Brito bate em cabrito, e Edson sabe ser vil. E se ninguém sabe e ninguém viu, alguém comeu e depois sumiu.

E tudo era caos e desordem, por ordem de quem, decreto de ninguém, decerto de alguém, mas que podia ser bem do além, mesmo que fosse aquém do bem, ou do mal. Mesmo uma estátua de sal, um ser anormal, ou bem igual, a qualquer ser. 

Assim já não tinha mais carros, parados com seus pneus derretidos e seus motores fundidos; as locomotivas derreteram e seus vagões feridos; sem rumo e sem destino. E assim não tinha mais tempo, com relógios com ponteiros grudados, travados na meia noite, ou meio dia. E já não se sabia se era noite ou se podia amanhecer. E o envelhecer, ninguém viria a conhecer.

E já não se podia subir e nem descer, surgir ou crescer, já que tudo não era mais nada, a não ser calor. E qualquer valor nada mais tinha, porque nada mais vinha de lugar algum, pois não tinha mais lugar nenhum. Em nenhum lugar. Nenhum lugar havia a ver.

07/06/2019

12/03/2019

Perdidos no Espaço: Space Oddity

Perdidos no Espaço: Space Oddity
Barata Cichetto

- Controle Alfa ao Major.  Controle Alfa ao Major Tom. "Tome suas pílulas de proteína e coloque seu capacete".
- Aqui é o Major Tom, a bordo da espaçonave Júpiter 2. Estamos prontos para "mais uma vibrante aventura por galáxias desconhecidas", pelos próximos cinco anos e meio com destino a Alfa Centauri. A tripulação, formada pelo Professor John Robinson, sua esposa Maureen e seus filhos Judy, Penny e Will, está nos tubos congeladores, em estado de animação suspensa. 
- Controle Alfa ao Major. "Iniciando contagem regressiva. Cheque a ignição e que o amor de Deus esteja com você." (7, 6, 5, 4, 3, 2, 1) - Decolar!!!
- Aqui é o Major Tom ao Controle Alfa. Estão escutando? 
- Aqui é o Controle Alfa ao Major Tom. Agora é hora de sair da espaçonave se quiser.
- Controle Alfa, podem me escutar? As estrelas parecem bem diferentes, daqui de cima.
- Aqui é o Controle Alfa. Sua missão é um sucesso. A humanidade espera ansiosa para colonizar Alfa Centauri. Pode nos escutar, Major Tom?
- Aqui é o Major Tom para o Controle Alfa, podem me escutar? Temos um problema. Podem me escutar?
- Controle Alfa ao Major Tom, seu legado será eterno, suas pegadas no espaço serão seguidas por gerações, e a humanidade sempre o agradecerá por sua contribuição...
- Major Tom ao Controle Alfa. Temos um problema sério. Há um clandestino a bordo e a espaçonave Júpiter 2 está sendo destruída.
- O Presidente dos Estados Unidos e a Rainha da Inglaterra decretaram feriado nacional. O mundo emocionado acompanha sua partida. Pode nos escutar, Major Tom?
- Estamos à velocidade da luz, mas eu me sinto bem parado. Espero que a espaçonave saiba aonde ir.  Digam a minha mulher que eu a amo. 
- Controle Alfa ao Major Tom. Responda, Major Tom. Sua voz está sumindo. Não podemos escutá-lo. Está me ouvindo, Major Tom? Está me ouvindo, Major Tom? Está me ouvindo, Major Tom? 
- Aqui é o Major Tom. O planeta Terra é azul, e não há mais nada o que eu possa fazer. Estamos todos perdidos no espaço.
- Está me ouvindo, Major Tom? Está me...
- Agora sou apenas uma estrela negra...

13/03/2019

04/03/2019

Eu Estou Esperando Por Meu Homem (O Dia Em Que Lou Reed Conheceu Charles Bukowski)

Eu Estou Esperando Por Meu Homem
(O Dia Em Que Lou Reed Conheceu Charles Bukowski)
Barata Cichetto

Sou um homem branco, cantor e compositor. Uso óculos escuros de caminhoneiro e botas e jaqueta de couro preto e bem gastos. Estou parado em frente a um prédio em San Pedro, na Califórnia, e nem sei como vim parar aqui. Só sei que estou esperando por meu homem, me sentindo doente e sujo, mais morto do que vivo. Eu estou esperando pelo meu homem.

Sou de New York, entretanto. E lá, meu homem era apenas um amigo traficante, mas em San Pedro espero por outro homem. E ele é também outra espécie de traficante. Seu produto é bom e com ele eu chego a ficar alto por dias seguidos. Ele é um escritor, trafica palavras, que na verdade são cápsulas que envolvem as mais puras e loucas sensações. O meu barato é heroína, o barato dele também, mas de outro tipo: aquelas heróinas que ficam na calçada cobrando michê. De certa forma também sou tão traficante quanto ele, também, mas minha droga é embalada em notas musicais. Como disse, sou cantor e compositor. Já usei e abusei de heroínas de todos os tipos.

Estou parado na frente desse prédio e toco a campainha. Uma morena alta, com olhos de cavalo e cabelos que parecem uma peruca mal feita atende. O nome dela é Rachel, ela conta, e percebo que é uma bicha daquelas que sempre canto em minhas musicas. Ela é um homem, mas não é meu homem, e quer ser minha mulher. É bonita a desgraçada, e quando se vira para que eu a siga, sem dizer uma única palavra, eu olho para sua bunda, que parece bem gostosa. Eu a sigo para dentro da casa, sempre de olho na bunda, e quando chegamos ao meio da sala, o homem que eu estava esperando se levanta da cadeira, sem deixar cair a cerveja e vai ao meu encontro, me abraçando como seu eu fosse um antigo amigo, ou alguém que fosse lhe pagar uma bebida. Ele parece um viciado em corridas de cavalos bêbado.

- Nenhuma bunda vale cinquenta pratas. - Diz ele.
- Sou um homem branco e uso óculos escuros e botas e jaquetas de couro. - Disse eu. - E nunca pago nem um dólar por um rabo de mulher.
- Rachel não é mulher. Ah, ela não é nada. Ou melhor, Rachel é tudo. Tudo o que ela quiser ser.
- Sou bissexual na maioria das vezes, menos quando rola uma daquelas festas em que ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo. Sou de New York, e lá é o lugar onde todo mundo é o que e quem quiser. Eu sou cantor e compositor, ando na barra pesada, e, portanto sei o que digo.
- Tudo isso aqui é um filme ruim, cara. Aliás, um filme ruim, feito por atores péssimos. A gente sempre representa, e mal. Então qual é o problema? 

Era uma manhã de domingo, e eu tinha passado a manhã bebendo sangria num parque, cheio de crianças remelentas por perto. Detesto crianças remelentas, detesto parques e detesto sangria.  Foi então que decidi ir a algum lugar melhor, e de repente estava na sala de um homem, cujo rosto era familiar, ao menos de longe. E na minha frente uma mulher que era quase um homem, ou um homem que era uma quase mulher, parecia que queria me dar a bunda ou me comer, não sei bem. Eu estava esperando meu homem, era só o que sabia. Só não sabia se era a tal Rachel, ou se era o outro cara.

Rachel se levantou, o homem também se levantou. Rachel se apoiou nos braços do sofá, empinou a bunda e levantou a saia. Depois disse:
- Charles, meu querido, pegue uma bebida bem forte. Nosso garoto precisa de algo que o faça se sentir um homem.

O homem, o que agora eu sabia se chamar Charles, deu uns passos cambaleantes em direção à cozinha, e eu, do mesmo jeito, em direção ao rabo de Rachel. Em minutos eu a estava enrabando e ela rebolava. Enfiei a mão no meio das pernas e um pau de bom tamanho ficou maior ainda quando o segurei. Não tinha perguntado a Rachel quanto custaria seu rabo. Se fosse mais de cinquenta pratas, como dizia o outro homem que se chamava Charles, não valia. Então gozei no cu de Rachel e Rachel gozou no sofá, sujando minha mão. O outro homem voltou com garrafa e copos. Sentou-se e nos serviu, e a ele mesmo. Bebemos em silêncio, com Rachel passando as pontas dos dedos no esperma no sofá e lambendo, entre um gole e outro.

O outro homem, que eu sabia que se chamava Charles ficava me olhando, fumando, bebendo e tossindo. Era um sujeito asqueroso, tinha sotaque alemão disfarçado e ficava o tempo inteiro olhando para uma máquina de escrever no canto da sala, como se lembrasse de algo a escrever e o precisasse fazer imediatamente. Talvez não fosse isso, e ele escondesse heroína dentro da tal máquina. Ninguém dizia nada. E eu só pensava que Rachel era uma viciada, talvez uma Vênus em Peles, que quisesse ser chicoteada ou apanhar na cara. E talvez ela quisesse me bater com uma flor. Ela tinha olhos negros de cavalo, eu já disse. E tinha pernas de cavalo, também. Eram musculosas.

Comecei a cantarolar uma das minhas musicas. E o outro homem a recitar uma de suas poesias. Quando terminamos nosso dueto sem pé nem cabeça, Rachel soltou um bocejo e disse que era tarde demais. E o outro homem, que se chamava Charles, me perguntou se eu queria ser escritor. E eu disse:

- Não, cara, eu estou apenas esperando por meu homem.

E ele me disse:

- Nenhum rabo vale mais que cinquenta pratas. 
Era um dia perfeito. Eu paguei cinquenta para Rachel, coloquei os óculos escuros e a jaqueta e botas de couro e sai pela porta, sem antes escutar o outro homem que se chamava Charles dizer a Rachel:

- Nem tente!

20/02/2019

01/02/2019

Senhor Brasil: Uma Fábula Foda Em Verde e Amarelo

Senhor Brasil: Uma Fábula Foda Em Verde e Amarelo
Luiz Carlos Cichetto, Aka Barata Cichetto


Existiu num tempo um senhor a quem chamaremos de Brasil. O Senhor Brasil era um homem muito rico, mas bondoso e receptivo a todas as pessoas. Era rico, mas não tinha sequer a noção do tamanho de sua riqueza. Era enorme de porte, e suas dimensões, em todos os sentidos, eram intimidadoras. Intimidadoras a uns, mas muito atraentes a outros.
Dizem que o Sr. Brasil, quando de seu nascimento, era mais rico ainda, mas que seus pais percebendo sua riqueza passaram a roubá-lo. Não que os pais do Sr. Brasil tenham ficado ricos, pois logo tudo o que lhe foi roubado acabou sendo perdido em jogatinas. Mesmo assim ele ainda era muito rico e seus filhos, desde os naturais, até os que, ainda jovem ele adotou, eram muito felizes. 
Acontece que o Sr. Brasil, por conta de sua enorme hospitalidade com todos, e por sua enorme pureza, cresceu meio abobalhado, e sempre foi feito de tolo por todas as suas esposas. Todas elas, sem exceção, lhe roubaram, deram sua riqueza a amantes de todas as partes do mundo. E todas elas, também sem exceção o traíram, na maioria das vezes em seu próprio leito.
Era triste o Sr. Brasil, mas como qualquer triste era efusivo e brincalhão, sempre demonstrando bom humor. Uma fachada que escondia o que era na realidade: amargurado e rancoroso, que não perdia o oportunidade de se vingar.
O Sr. Brasil foi casado muitas vezes, algumas com esposas muito cruéis que maltrataram seus filhos, o que o deixava muito triste. Mas como ele tinha que cuidar de sua riqueza, de seus bens, não tinha tempo para pensar nisso. Uma delas preferiu cometer suicídio a reconhecer sua traição, outra pediu divórcio logo após o casamento, esperando que ele implorasse por seu retorno. Essa deixou o leito pronto, quente, para uma irmã, que queria entregar toda a fortuna do Sr. Brasil a um russo, mas os filhos dele, amparados por uma matrona gorda e violenta o impediram, permanecendo no comando da casa durante quase vinte anos, tratando muitos de seus filhos com violência.
Quando finalmente elas deixaram de mandar na casa, o Sr. Brasil acreditou que poderia casar-se novamente, de uma forma mais livre, mas foi apenas um casamento arranjado, de conveniência, já que a indicada para o casamento morreu na noite anterior, deixando em seu lugar uma irmã que, sedenta de poder, e consciente da riqueza do milionário tratou de tentar fazê-lo acreditar que resolveria seus problemas, colocando seus filhos uns contra os outros, fiscalizando. Todos fiscalizavam todos, portanto ninguém fiscalizava ninguém. E assim, foi-se outro casamento fracassado, e o Sr. Brasil começou a ficar cada dia mais pobre.
Depois desse casamento, seus filhos acharam que deveriam ser eles mesmos a escolher a futura noiva. Assim foi feito, e entre duas, uma era Alagoana, metida a esportista, dona de jornal e que dizia ter os grandes lábios roxos, e a outra Pernambucana, uma daquelas bem grosseiras e ignorantes, que tinha perdido um dos dedos para se aposentar precocemente, e foi acusada de ter enganado outras pessoas e deixado de reconhecer uma filha. Ganhou a primeira, e muitos contam que alguns dos filhos mais ricos sabotaram a escolha, outros contam que de fato Alagoana de fato conquistou o Sr. Brasil, que nela via seu próprio retrato.
O fato é que tão logo terminou o casamento, e adentrou a sala de estar da mansão do Sr. Brasil, ela tomou todo o dinheiro que seus filhos tinham guardado, sendo que alguns até morreram do coração por causa disso. Entretanto, Alagoana não era tão poderosa assim, e logo os parceiros criminosos que a tinham ajudado na escolha perceberam que, se deixassem, ela os trairia, e então deram um jeito de ela sair de fininho, pela porta dos fundos da mansão, deixando em seu lugar uma Mineira sonsa, sua irmã bastarda, que só pensava em ter um Fusca e namorar no banco traseiro.
A Mineira sonsa, entretanto, tinha uma amiga, muito culta e estudada, uma Carioca que tinha até mesmo lecionado na Europa, e que a convenceu a ajudá-la na organização das finanças do Sr. Brasil, que estavam uma bagunça danada. E como ela sabia como mexer com números, de forma que eles dessem o resultado que ele queria, o Sr. Brasil e seus filhos viram suas riquezas aumentarem. Ao menos era o que os números diziam. E todos ficaram felizes.
Acontece que as regras que os filhos tinham escolhido, se é que tinham sido mesmo eles, diziam que uma nova escolha deveria acontecer. E, claro, quem seria escolhida, senão a Carioca inteligente, de fala bonita, fluente em outros idiomas, e que tinha ainda resolvido o problema das finanças do Sr. Brasil? A Pernambucana ainda tentou, mas não era páreo. Os filhos estavam encantados com ela.
E a Carioca esperta consertou mesmo a casa do Sr. Brasil. Não que tenha realmente consertado tudo, já que a coisa que ela sabia melhor, era como esconder o pobreza dos filhos, para parecer que estavam maravilhosos. Ela sabia como deixar tudo brilhando sem de fato estar limpo, ela sabia gastar com os cartões de crédito sem que parecesse que foi ela, e coisas assim.Mas o fato é que a economia na casa do Sr. Brasil estava equilibrada, as contas eram pagas no vencimento, não havia credores na porta, as compras eram feitas com certo rigor e os filhos podiam andar de cabeça erguida, orgulhosos daquela nova madrasta. 
Tinham orgulho de vê-la, altiva, falando em nome do Sr. Brasil em todas as partes do mundo, tinham orgulho em vê-la na televisão falando com eles todos, tinham orgulho da sua fala, da sua voz. E mesmo que ainda tivesse problemas,o Sr. Brasil se sentia bem, e estava, de certa forma, feliz, embora soubesse que sua esposa era também o traía e roubava.
Durante os oito anos em que a Carioca foi a esposa do Sr. Brasil, a Pernambucana sempre trabalhou nos bastidores e na vizinhança para mostrar que a outra não prestava, que era falsa e arrogante, embora diante dela se mostrasse gentil e atenciosa. A muitos dos filhos do Sr. Brasil ela mentia, dava presentes, dizia que eles não precisavam trabalhar, pois afinal o pai era rico e poderia prover seu sustento. Ninguém sabe de onde ela tirava dinheiro para essas coisas, e alguns até comentam que ela se prostituía a um russo. 
Assim, a Pernambucana de nove dedos foi conquistando muitos dos filhos, especialmente aqueles mais pobres, e mais especialmente ainda os mais pobres preguiçosos. Dessa forma ela  conseguiu ser escolhida a preferida do Sr. Brasil, e finalmente pode desfrutar de todos os luxos de sua principal mansão. A Carioca tinha deixado a casa toda arrumada, uma boa parte dos filhos limpos e indo para a escola, as finanças do Sr. Brasil estavam em ordem, e o milionário, que antes da chegada dela, era tido como um caloteiro, um pé de chinelo, tinha finalmente recuperado o prestigio com os vizinhos, até mesmo os de longe. 
Uma das primeiras coisas que ela fez foi dar esmolas a todos os filhos pobres, dizendo a eles que não, eles não precisavam trabalhar, afinal eram pobres e tinham que continuar pobres, vivendo da esmola que ela lhes dava. Depois se tratou de se aboletar nos sofás mais finos, de seda e veludo da mansão, e ser paparicada por um cem numero de filhos interesseiros, que a adoravam.
Num segundo momento, pegou muitos dos filhos que eram pobres e disse a eles que não, que eles não eram pobres, e que, sim, eles poderiam ir a Disney e comprar carros em duzentas e cinquenta prestações. É claro que a molecada adorou. Enfim, alguém tinha dito a eles que eles não eram pobres, e eles acreditaram. E lá se foram, viajando de avião, comprando carros, fazendo prestações. Estavam felizes, aquela sim era a esposa ideal para o Sr. Brasil.
Outra das coisas que ela fez, e que agradou tanto ao Sr. Brasil, e a maior parte dos seus filhos, é que ela sabia que o esposo adorava futebol. Então tratou de trazer uma Copa do Mundo para o quintal dele. Os filhos pagariam a conta, claro, dane-se, o importante é que ela os agradaria, e assim poderia ser a eterna esposa do Sr. Brasil, que apesar de tudo, não achava agora que sua esposa anterior, a Carioca, fosse tão boa assim. 
Seus filhos estavam mais alegres, podiam enfim fazer o que quisessem, que ela não ralhava. Que moral, por exemplo, o Sr. Brasil tinha para brigar com os filhos que fossem bêbados, já que ela, sua esposa, vivia às voltas com um copo de cachaça? Que moral ele poderia ter com alguém que fraudasse algo, já que ela era aposentada fajuta. E especial e principalmente, que moral ele tinha para instigar e até obrigar os filhos a estudarem, quando a própria esposa, rainha do lar do Sr. Brasil era semi-analfabeta?
Durante os primeiros anos tudo correu da forma como Pernambucana esperava: ela dava um monte de porcarias inúteis aos filhos do Sr. Brasil e eles ficavam felizes, enquanto ela mais ainda, pois ali, naquela mansão, cercada de todos os luxos, ela fazia o mais gostava de fazer: nada. Nada a não ser tomar cachaça e fuxicar com as colegas do prédio grande próximo. Era tudo o que Pernambucana queria, e ela não queria nunca mais sair dali.
Acontece que a danada da Pernambucana tinha muitos amantes e precisou pedir favores e dinheiro emprestado a muitos deles. Eram os filhos mais espertos do Sr. Brasil, aqueles que ela sabia serem os mais influentes da hora de decidir se ela continuaria ou não.  E então, sem pestanejar um só segundo, ela transou com todos eles. E foi uma louca completa, uma devassa, uma autêntica Messalina. Fez anal, oral, transou em tudo quanto foi lugar. E a todos ela dizia a mesma coisa: que era a ele que ela amava, não aos outros, que queria mesmo era que o Sr. Brasil morresse para que ela ficasse com a herança. Aliás, dizem as más línguas que ela diariamente dava um pouco de veneno a ele, esperando que um dia finalmente ele estivesse moribundo, e, no leito de morte implorasse por ela, por seus cuidados, por seus carinhos, e principalmente que cuidasse como um pai, de seus filhos.
Um dia as coisas começaram a ficar complicadas para Pernambucana, e os credores começaram a cobrar o Sr. Brasil, de contas que ele sequer tinha conhecimento. E o que ela fez foi colocar a culpa em alguns poucos amantes, dizendo que tinha confiado neles, mas que eles realmente não eram de confiança. O Sr. Brasil acreditou nisso, e ela continuou gastando o que não tinha, dando presentes caros a seus amantes e mais e mais esmolas a alguns de seus filhos, que passaram, cada dia mais, gostar mais da madrasta do que do pai.
Por oito anos Pernambucana foi a rainha do lar do Sr. Brasil, e agora era hora dela deixar a mansão, pois era a regra. Seus planos, no entanto, eram de voltar muito breve a morar na mansão do Sr. Brasil. E então, depois de colocar em prática seu plano maléfico de indicar uma prima, que ela sabia ser burra feito uma porta, fazendo os filhos acreditarem que ela seria exatamente igual a ela própria, e que era de sua inteira confiança, Pernambucana se foi, levando tudo de valor que havia, inclusive presentes que tinham sido dados ao Sr. Brasil, e não a ela.
Durante algum tempo os filhos, especialmente aqueles que tinham sido cooptados pelos favores, esmolas e mimos dados pela Pernambucana acharam que ainda eram felizes, e toleravam todos os deslizes da atual esposa do pai, mas aos poucos, ela começou a pensar, que apesar do trato que tinha com a prima, que ficaria ali apenas o tempo suficiente para a volta da outra, ela também estava gostando de morar na mansão. Tratou então de buscar os mesmos amantes da prima, com a diferença que na hora de fazer oral e anal, ela nomeava outra, muito parecida com a prima, para que ninguém percebesse a diferença.
Acontece que um dia os amantes perceberam que estavam sendo enganados, e, para piorar, também Pernambucana percebeu. Alguém tinha que fazer alguma coisa para parar aquela mulher, e então montaram uma armadilha, colocando alguns talheres de prata, que na verdade eram falsos, na bolsa dela. Um dos mordomos, que era da confiança da outra foi o encarregado de dar o berro de ladra. E assim, ele próprio pode assumir a governança provisória da casa, até que outra esposa possa ser escolhida pelo Sr. Brasil.
E o pobre Sr. Brasil esse momento se encontra extremamente triste, cabisbaixo e preocupado, muito amedrontado, mesmo, pois não sabe se a próxima esposa que os filhos lhe escolherão será alguma amiga intima da antiga esposa, que foi presa, depois que alguns dos amantes contaram ao Sr. Brasil sobre algumas das coisas que ela tinha feito. Ou se será alguma outra, mandona e autoritária, ou ainda uma frouxa e ladra.
Até lá, o Sr. Brasil terá que conviver com o trauma psicológico de ter percebido que, no final das contas, todas as esposas, traidoras, ladras e perversas com que ele se casou, e que o traíram e roubaram, eram na verdade suas filhas. 
Por que diabos nunca tinham lhe contado isso?

Araraquara, 05/09/2018

08/06/2018

Burnout

"A síndrome de Burnout (do inglês to burn out, Algo como queimar por completo), também chamada de Síndrome do esgotamento profissional, foi assim denominada pelo psicanalista nova-iorquino  Herbert J. Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no início dos anos 1970. A definição é de um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional."

"Burnout", é o primeiro volume de contos escrito e editado por Barata Cichetto. São 30 contos, a maior parte totalmente inéditos e alguns escritos especialmente para a edição. Mostrando por que muitos de seus amigos o chamam de "Lou Reed Brasileiro", mesmo não sendo musico, ou de "Buk de São Paulo", o autor destila as mazelas e a solidão não apenas poética, falando de sexo, poesia e Rock'n'Roll, suas maiores paixões.




07/05/2018

A Incrível e Triste História de Renato Fênix e Sua Mãe Desalmada

A Incrível e Triste História de Renato Fênix e Sua Mãe Desalmada
Luiz Carlos Cichetto

Meu nome é Renato. Conhecido como Renato Fênix. Renato significa "renascido". E Fênix, tal o pássaro que renasceu após ser queimado. E essa é a razão pelo qual tenho tal sobrenome.

Minha mãe me concebeu quando tinha apenas dezesseis anos. Foi expulsa de casa após ser espancada pelo pai, e foi para as ruas. Mesmo grávida, se prostituiu até os sete meses de gravidez. Aí ninguém queria mais, e nós dois passamos fome, pelas ruas, comendo apenas quando alguém tinha algum ato de caridade.

Perambulamos pelas ruas geladas do centro de São Paulo até que ela sentiu as dores de parto numa rua sem saída próxima a uma delegacia. E ali, entre montes de coisas que as pessoas não precisam ou não querem mais, entre pedaços de papel higiênico sujos de merda e latas de cerveja vazias, eu nasci. 
Minha mãe aguentou as dores sozinha, sem nenhum filho da puta para lhe segurar a mão, sem nenhum médico a lhe dar algo para aliviar a dor. Nada. Estávamos sozinhos. E minha mãe chorou quando eu nasci. Não era de alegria. Era tristeza, angustia e medo. Sentimentos que as mães têm quando nascem seus filhos. 

Ela sabia que eu não podia existir. E pensou em resistir. Mas desistiu. Me enrolou num monte de jornais e revistas velhas que estavam espalhadas pelo chão para que eu não morresse de frio, e sem derramar lágrimas, levantou-se e cambaleou para longe daquele lugar sem olhar para trás.

Perto dali, um grupo de mendigos bebia cachaça e procurava um lugar onde pudesse se aquecer. Encontraram a viela e aquele monte de papéis. Atearam fogo e se sentiram quentes e aconchegados até começarem a escutar um choro intenso que vinha do meio do fogo. Alguns correram assustados, mas um casal, que aproveitava a caloria do fogo para transar ficou para trás, e a mulher, uma loira desdentada e quase cega, gritou para que o homem moreno e sem dentes, descobrisse o que era aquilo.

E aquilo era eu. Quase morto, queimado. 

Com medo de acharem que poderiam ser incriminados como autores do crime e com certa pena, me levaram a um prostíbulo que tinha nas proximidades e me deixaram nos braços de um homem que saia de lá, ainda arrumando as calças. Sem perceber e sem tempo de recusar, o homem ficou parado ali, com um pedaço de menos de três quilos de carne queimada nos braços.
E assim eu comecei a existir nesse mundo. 

Sou quase um monstro, por conta daquelas queimaduras. Tenho toda a pele do corpo avermelhada e lisa, nenhum pelo jamais nasceu em mim. Sequer cílios ou sobrancelhas. Meus olhos são sempre vermelhos e quase não tenho nariz, possivelmente por ter inalado muito fogo, e meus lábios são retorcidos e deformados. Os dentes de leite nunca caíram, então são muito pequenos para um adulto. As unhas são podres e nunca preciso cortar. Meu pênis é minúsculo, torto, mas está sempre ereto. Se é que podem chamar de ereção aquilo. 

Por conta de tantos atributos físicos, não preciso dizer que não suporto a luz do dia, e mesmo à noite, ainda preciso usar óculos escuros para sair. Até a luz da Lua me faz sentir dor ao penetrar pelos meus olhos. Além do mais, como seria eu andar pelas ruas com essa aparência?. As crianças iriam se assustar, e não quero assustar crianças, que já tem motivos de sobra nesse mundo para crescerem assustadas. Muito menos quero chocar as pessoas que desfilam por aí, com seus cabelos longos, pintados de todas as cores, e as mulheres com cílios enormes e sobrancelhas desenhadas. Não quero assustar os homens que bolinam seus pênis quando veem uma mulher com as pernas nuas, não quero assustar essas mesmas mulheres que adoram ser cortejadas por homens trajados com esses ternos bem cortados e sapatos de bico fino. Eu não posso usar essas coisas, a roupa que eu uso é sempre apenas uma calça e uma camiseta muito largas. E nenhum sapato cabe em meus pés deformados. À parte tão pouca roupa, nunca sinto frio. Deve ser por que todos os sensores de temperatura desapareceram quando fui queimado.

Passei vinte e poucos anos trancado dentro de um porão, cuidado por aquele homem que, não por vontade, mas por algum instinto estranho, de piedade ou de culpa, ficou comigo naquela noite. Talvez por se considerar culpado por estar traindo a esposa num puteiro, me levou para sua casa, e me escondeu durante todo esse tempo no porão. Diariamente me levava comida e água, e me ensinou a falar. Era sempre escuro o porão, mas eu nem sabia o que era luz, portanto não sentia falta dela.

Um dia... (Ah, sim, eu não sabia o que era isso, de dia ou noite, fui descobrir bem depois que o tempo era dividido em duas partes, e que, aliás, tudo no mundo era dividido em dois, mas isso demorou um pouco.) Um dia ele não veio. Nem no outro. Nem nos outros que se seguiram. Eu não sabia o que sentia, mas era fome. E sede. E instintivamente procurei um jeito de sair dali. Na casa, em cima do porão, não havia ninguém. Apenas objetos bonitos, móveis, coisas assim. 

Na rua, a claridade me deixava cego. Precisei cobrir os olhos com o braço. E andei. Sei lá quanto tempo andei. Não sabia o que era tempo, nem relógio, nem horas. Nem sabia o que era noite ou dia. Apenas andei.

Precisava comer. Peguei umas coisas numa barraca. Chegou um carro. Tinha uns homens usando a mesma roupa que o Homem Que Cuidava de Mim usava. Então pensei que estaria bem. Mas me enganei. Eles chegaram perto de mim, eram dois, e um tapou o nariz e me pediu documentos. Eu não sabia o que era isso. Portanto não tinha. Ele perguntou meu nome. Eu disse Renato Fênix. Ele quis saber o nome da minha mãe. Eu não sabia o nome dela. E do meu pai. Eu não sabia o que era isso. O outro perguntou meu endereço. Eu não sabia. Todas as perguntas que fazia eu não sabia a resposta. Creio que foi por não saber respostas que me colocaram algemas e me enfiaram naquele carro.

Chegamos à delegacia. Ali, todos me olhavam com cara de nojo e piedade, o que deve ser a mesma coisa. Acho. Então o tal delegado me perguntou todas as coisas que eu não sabia a resposta. E me trancou numa cadeia. Tinha outras pessoas ali e eles me bateram muito. Então foi que percebi que eu não senti nenhuma dor. 

Fiquei muito tempo ali. Eles não sabiam as respostas que eu também não sabia. Mas eram eles que faziam as perguntas. Não eu. Eu não me interessava por nenhuma daquelas perguntas. Me deixaram sair, possivelmente porque minha aparência lhes causava medo e culpa. O que é provavelmente a mesma coisa. Eu sai. Eles ficaram. Eu fui embora dali sem lhes dar respostas, e eles ficaram com suas perguntas. Os presos ficaram com meu cheiro. Eu não sentia o cheiro deles, nem o meu. Eles pegaram um pouco do meu sangue, mas eu também peguei o deles.

Eu ainda tinha fome, nem sabia que o que era isso, mas sentia que precisava comer. Na cadeia tinham me dado comida. Eu comia. Alguns reclamava do gosto disso ou daquilo, mas eu não, eu não sentia gosto de nada em comida nenhuma. Para mim, todas eram boas, ou ruins, sei lá. Aliás, eu acho que eu nem sabia o que era isso de ser bom ou ruim. Apenas comia.

Andei bastante. Muito. Não queria parar. Não sabia para onde ir, mas queria andar. Não tinha um destino e nem um motivo. E quando à gente não sabe essas coisas, a gente simplesmente anda. E anda mais rápido.

Eu não sentia nada, nem dor, nem cansaço, nem raiva, nem amor. Nada. Essas coisas, que o Homem Que Cuidava de Mim me dizia que eram sentimentos humanos. Ele dizia também que os sentimentos humanos eram assim, extremos. Que tudo tinha dois lados, um bom e outro ruim. Que as pessoas fora daquele porão onde eu sempre vivi, todas elas iriam me machucar de algum jeito. Que todos me olhariam com um desses extremos. Ou me olhariam com piedade, ou com desprezo; que me olhariam com nojo ou com desejo; que me olhariam com medo ou com esperança... Coisas assim. E por isso, eu nunca deveria deixar aquele porão. Ele dizia que nunca ninguém me olharia como igual, como ser humano, e que para todos eu seria apenas uma aberração, um monstro. Que as crianças teriam medo, que os idosos teriam nojo. E que todos, indistintamente me olhariam com desprezo.

Andei. Andei. Andei. Até que cheguei em frente a um pequeno prédio, de quatro andares, muito antigo, sujo e com pedaços despencando, janelas quebradas e portas podres. Homens entravam e saiam do lugar, arrumando as calças, e várias mulheres nas janelas, chamando os que passavam na calçada.

Não sei por que, mas parei em frente e fiquei olhando para cima. Era noite de algum dia, de algum tempo que não sei dizer quando. Eu desviava meu olhar da Lua que refletia nas janelas daquele prédio, até que percebi, numa delas uma mulher, que olhava em minha direção. Não sei qual a razão, mas eu tinha a certeza que ela me reconhecia. Não era possível, pois eu nunca tinha saído daquele porão, e nunca tinha recebido nenhuma visita. A única pessoa que eu tinha visto durante toda a existência era o Homem Que Cuidava de Mim.

De repente, a mulher desapareceu da janela e eu, instintivamente olhei para a porta do prédio, como que esperando que ela descesse e saísse por ela. De onde eu tinha tirado tal ideia? Por que motivos ela faria isso? 

Eu nunca tinha chegado perto de uma mulher, nunca tinha tocado uma mulher, mas algo ali mexeu comigo e provocou coisas que eu nunca tinha sentido. Aliás, falar em coisas que eu senti é um tanto estranho para mim. Eu nunca senti dor, nem frio, nem calor, nem medo, nenhuma dessas coisas. A única que lembro de sentir era fome.

A mulher apareceu na porta do prédio e foi se aproximando de mim, com o olhar fixo, como se me conhecesse há muito tempo. E eu fiquei ali, parado, esperando que ela chegasse mais perto, possivelmente pelo mesmo motivo. Não sei, era tudo muito confuso aquilo.

Num dado momento, vi lágrimas descendo pelo rosto da mulher. Ela parecia estar daquele jeito que O Homem Que Cuidava de Mim sempre dizia estar: triste. Mas ao mesmo tempo seus olhos me diziam alguma coisa, algum tipo parecido com o que se chamava de felicidade. Era tudo muito estranho.

Quando chegou ao meu lado, a mulher abriu os braços, me abraçou, e começou a chorar e soluçar. Ela me chamou de filho e disse que esperara durante mais de vinte anos, mas sabia que um dia me encontraria. Chorava e pedia desculpas. Chorava e passava as mãos sobre meu rosto. Chorava e beijava minhas mãos. E eu ali, sem saber o que era nada daquilo, apenas me mantinha junto dela.

Eu, de fato, não sentia nada, mas pela história que O Homem Que Cuidava de Mim contara várias vezes, sobre como eu tinha sido entregue a ele, deduzi mesmo que aquela mulher fosse minha mãe, sem entender de que forma ela tinha me reconhecido.

Depois de algum tempo, não tenho ideia de quanto, a mulher parou de chorar, me beijar e abraçar, e me perguntou o nome, e eu lhe disse que era Renato Fênix, que era assim como O Homem Que Cuidava de Mim me chamava. E repeti-lhe a explicação que ele me dera, desse "Fênix". Ela chorou um tanto a mais, e me perguntou se eu a perdoava. Eu não sabia o que era isso, mas lhe disse que sim. Ela me disse que me amava, e eu, mesmo sem saber o que era isso, lhe disse que também. Ela me perguntou se eu sabia quem eu era, e mesmo sem saber, respondi-lhe que sim.

Eu não sabia, mas eu era. E mesmo sem saber de nada, apenas continuei a ser.

Ela retornou para dentro do prédio e eu continuei caminhando, sem saber.

04/05/2018

03/04/2018

Chuva de Merda Sobre São Paulo

Chuva de Merda Sobre São Paulo
Luiz Carlos Cichetto


Era um amanhecer como outro qualquer de Outono, em São Paulo. Manhã fria e nublada. Mas ao contrário do que era normal, o dia não era cinza cor de chumbo, com aquelas nuvens quase negras. A cor do dia era marrom. Marrom escuro. 

Em principio pouca gente percebeu, mas aos poucos todos foram estranhando aquela coloração no ar. Demorou um pouco, e quase todos perceberam que tinha algo errado na cidade, pois não era apenas a cor, mas o odor era diferente. Ao contrário do cheiro de fumaça proveniente dos escapamentos dos carros, que antes era de chaminés de fábricas que já não existem na cidade, era cheiro de merda.

Primeiro foram as esposas que reclamaram com os maridos, dizendo que eles eram mesmo porcos por peidarem tão fedido dentro de casa, sob as juras sacras de que não tinham sido seus rabos os emissores do tal fedor. Logo se pensou em vazamento de gás, nalguma usina de processamento de lixo, vazamentos monstruosos em tubulações de esgoto, mas quando o cheiro e a cor de merda foram percebidos, através da cobertura do helicóptero do jornal da manhã, estar por toda a cidade, a população começou a se preocupar.

O prefeito foi entrevistado ainda em casa, de pijama marrom de listas azuis, e disse que estaria indo ao seu gabinete, se reunir com seus assessores e que em breve daria explicações. E a manhã inteira foi repleta de opiniões de especialistas em tudo quanto é merda: da química à astrologia, da física à biologia, da meteorologia à política internacional. Foram aventadas inúmeras possibilidades àquela situação catastrófica: uma delas é que o partido político da oposição estaria sabotando o prefeito atual, que aquilo era coisa do presidente golpista, que era culpa do presidente americano, do estado islâmico, dos judeus, dos palestinos, dos fascistas alemães e mais uma porção de teses, até de que a cidade estava sendo invadida por alienígenas. 

Até o horário do almoço, com o fedor de merda aumentando mais e mais, o furor tomou conta do Facebook e do Twitter. Os defensores da esquerda explodiam verborragias e ofensas, afirmando que aqui era parte da tentativa de golpe militar, os da direita culpavam os comunistas. Alguns culpavam a NASA, e os crentes diziam que era a vinda de Jesus, que o fim estava próximo, o que fazia com que as lojas evangélicas se abarrotassem de fiéis que tentavam aumentar a cota do dizimo para garantir a passagem. 

No meio da tarde, os camelôs já faziam muito dinheiro vendendo máscaras de gás com emblemas de times de futebol, nas portas de estações de metrô e pontos de ônibus. Na Praça da Sé, pregadores batiam nas bíblias e diziam que aquilo era coisa do Demônio, que não era de merda o cheiro, mas de enxofre do Inferno. A Avenida Paulista se encheu de bandeiras brasileiras e o Largo da Batata de bandeiras com a foice e martelo. Ensaiaram passeatas, todos com máscaras de gás de suas cores preferidas e faixas com palavras de ordem. Mas nada disso parecia adiantar, aliás, o cheiro de merda era cada hora mais forte. 

Policiais corriam de um lado para o outro tentando conter a multidão enfurecida, e bandidos se aproveitavam para roubar, assaltar e matar. Não havia lugar seguro daquele cheiro. As pessoas se trancavam em casa, colocavam panos molhadas sob as portas e frestas de janelas, mas de nada adiantava. O cheiro de merda só aumentava.

No inicio da noite, o que parecia ser uma merda, em todos os sentidos, piorou. Repentinamente, trovões e relâmpagos anunciaram uma tempestade. De imediato, especialistas disseram que aquilo era um bom sinal, já que a chuva e os ventos levariam aquele cheiro de merda para longe, para outros lugares. O prefeito suspirou, já que o importante é que aquilo parasse de ser motivo para o chamarem de merda. Que esse titulo ficasse com o prefeito de outra cidade.

Quando a chuva se precipitou sobre a cidade não era água, mas merda liquida, tipo aquelas de diarreia, que caía sobre os telhados, escorria pelas calhas e entupia os condutores, fazendo com que todos as casas e prédios rapidamente ficassem cobertos com uma espessa camada de bosta. A merda corria pelas sarjetas, entupia os esgotos e iam direto aos córregos, que logo transbordaram interrompendo o transito nas marginais. Carros cobertos de merda foram enguiçando pelas ruas, por onde corriam pessoas desesperadas cobertas de merda da cabeça aos pés. 

Um repórter de televisão, usando uma capa de chuva coberta de merda, entrevistou o prefeito, com seu terno coberto de bosta, enquanto assessores, completamente encharcados de merda liquida tentavam limpá-lo, sem sucesso.  O apresentador do telejornal entrou no ar com funcionários da emissora tentando limpar seu rosto.

Por volta das oito da noite, o Presidente da República, junto com o Ministro da Saúde pediu calma à população, seguido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal que afirmava que a lei nesse caso seria cumprida conforma reza a Constituição Federal, mas que todos os procedimentos legais deveriam ser julgados em estâncias. Todos pediam no final, que a população ficasse calma e que não saíssem às ruas para protestar, já que a merda pararia de cair do céu a qualquer momento.

O temporal de merda durou a noite inteira. Quase toda a cidade de São Paulo estava coberta de merda. Segundo relatos, haviam bairros com mais de cinco metros de camada de merda nas ruas. A sede da Prefeitura teve que ser evacuada, já que foi completamente coberta pela merda, o mesmo acontecendo com o Palácio dos Bandeirantes, onde o Governador e sua família tiveram que ser alojados num estádio de futebol nas proximidades.

Nas periferias, barracos eram soterrados por avalanches de merda, bêbados dentro de botecos aumentavam sua dose de cachaça para tentar afastar o cheiro, e as ruas ficavam cheias de barricadas erguidas com bosta. Lideres comunitários esbravejavam contra o descaso da prefeitura e comerciantes fechavam as portas, alguns por não terem mais mascaras e capas para vender, outros por terem tido sido seus estabelecimentos invadidos por enxurradas de merda. 

Ainda na Internet, pessoas diziam que somente os militares poderiam resolver aquilo, outros que aquilo era culpa dos capitalistas. Outros ainda, mais exaltados, afirmavam que tudo era culpa da Nova Ordem Mundial, que decerto o Papa Francisco estava por trás daquilo. Políticos davam discursos, prometiam que se fossem eleitos na próxima eleição aquela chuva de merda nunca mais aconteceria. E outros diziam que não tinham nada com aquilo, que sentiam cheiro de merda algum, e que era tudo mentira, e que nem chovendo estava.

O dia chegou. O sol raiou. Ninguém percebia nenhum sinal de merda nas ruas, nenhum cheiro de merda, nenhum resquício sequer. Todos se levantaram, tomaram banho e um café com leite e pão com manteiga e foram trabalhar. 

Eles não sabiam, mas a chuva de merda sobre São Paulo ainda continuava a cair.

03/04/2018


29/11/2012

Sobre Amigos e Calcinhas

Sobre Amigos e Calcinhas
Luiz Carlos Barata Cichetto

Texto escrito como trabalho prático na Oficina de Literatura: Vida e Ficção, Coordenação: Deborah Goldemberg, Oficina da Palavra Casa Mário de Andrade, 22 a 30/11/2012. O texto abaixo é o apresentado na Oficina e na sequencia as alterações propostas.


(Mulher Sentada com a Perna Esquerda Dobrada - (Edith Schiele), 1917 - Praga, Národní Galerie)
Meu Amigo Andrade

Andrade é meu amigo há uns 30 anos e um profundo conhecedor de literatura. Mas não como acadêmico e sim como voraz leitor, desde menino, de qualquer coisa que se aproxime de suas mãos e olhos. Na adolescência, quando o conheci, era daqueles que passavam noites e noites em claro lendo sobre os mais diversos assuntos. Da poesia clássica à medicina nuclear, qualquer coisa interessava ao Andrade. E embora sua aparência física ou sua forma de se vestir e portar não fossem fora do convencional, era tido como “o cara estranho” da turma, sempre com livros debaixo do braço e a conversa girando em torno de grandes autores da literatura. Enfim, meu amigo Andrade era um sujeito muito esquisito, isso era mesmo.

No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia às nossas conversas regadas a cerveja num "pé-sujo" do bairro.  Em menos de duas horas estávamos sentados em uma das mesas do boteco que há muitos anos era nosso ponto de encontro predileto, tomando nossas cervejas em "copos de botequeiro" como chamamos aqueles tradicionais copos conhecidos como "americano" e que nos bares servem tanto a cerveja da noite, quanto ao pingado da manhã. 

Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro, quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, aliás, tinha sido minha senha há uns dez anos atrás. Mais que esquisito esse meu amigo Andrade...

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como "senha" no encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes e que fora morta num campo de concentração durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte dos nossos encontros, quando falamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe dali. Muito esquisito, eu.

Mas Andrade não saiu. E em sua esquisitice, naquele momento travestida de pura sacanagem, começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária alemã, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando aquelas pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getulio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. (Silêncio) “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. Esquisitos nós, eu e o Andrade!

--------------------------------------------------
Após a apresentação e leitura na Oficina e baseado em comentários, tanto dos participantes, quando da Coordenadora, onde a critica maior foi sobre o fato de o texto não ter um gênero definido, oscilando entre crônica e conto, foi solicitado algumas mudanças. O texto ficou assim, sendo que inclusive mudei o titulo.

Sobre Amigos e Calcinhas

No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, meu melhor amigo há quase 30 anos, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia aos nossos papos regados a cerveja num "pé-sujo" do bairro. Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, por esquecimento e desleixo dele, já tinha sido minha senha há uns três anos atrás.

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como senha do encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes, morta num campo de concentração durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte da nossa conversa, quando sempre falávamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe do bar. 

Mas Andrade não saiu. E começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária alemã, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando as pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getulio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. 

29/11/2012
------------------------------------------
(Após a última leitura, o texto "definitivo" ficou assim. Apenas suprimi uma frase e algumas palavras) .  

Sobre Amigos e Calcinhas


No último sábado, um calor desgraçado desde o amanhecer, e eu ainda de cuecas tomava meu café, quando o telefone tocou. Era o Andrade, meu melhor amigo há quase 30 anos, convidando para uma "conversa molhada", como sempre se referia aos nossos papos regados a cerveja num "pé-sujo" do bairro. Andrade bebericava sua cerveja sem gelo e folheava displicentemente um livro quando cheguei, também com um livro debaixo do braço. Era uma espécie de código secreto, de senha, entre nós, desde quando nos conhecemos, essa coisa de aparecermos em nossos encontros sempre com livros, que no fim eram trocados e nunca mais destrocados. A minha senha daquele dia era: "Olga", de Fernando Morais, a do Andrade "Eu e Outros Poemas", de Augusto dos Anjos, que, por esquecimento e desleixo dele, já tinha sido minha senha há uns três anos atrás.

Nossas conversas sempre se iniciavam sobre os livros que usávamos como senha do encontro, mas naquele dia foi um pouco diferente, pois Andrade conhecia bastante a vida de Olga Benario, esposa de Luiz Carlos Prestes, morta durante a segunda guerra mundial, e eu sabia quase que de cor todos os poemas do único livro editado pelo poeta paraibano. Portanto, o prólogo daquele nosso encontro foi um tanto mais curto. E assim passamos muito mais rapidamente da literatura à vida real, segunda parte da nossa conversa, quando sempre falávamos sobre família, mulheres, filhos, essas coisas corriqueiras, mas essenciais. Afinal, como dizia sempre o Andrade parafraseando Oscar Wilde: "A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios." 

“Ô, cidadão”, gesticulou Andrade ao dono do bar “manda outras duas, a minha sem gelo!”. Mas enquanto o homem abria as cervejas, algo mudaria o roteiro de nosso encontro. Uma mulher belíssima, usando uma saia minúscula e possuidora de um belo e longo par de pernas adentrou ao bar e sentou-se na mesa em frente à nossa. Andrade deixou cair os óculos sobre “Olga”, o homem do bar a cerveja sobre a mesa e eu, bem, eu deixei cair o queixo sobre Augusto dos Anjos. Ela, é claro, percebeu, mas disfarçou pedindo “uma água com gás, por favor!” Amaldiçoei minha cerveja e desejei que Andrade saísse dali correndo, levando a história da revolucionária judia para longe do bar. 

Mas Andrade não saiu. E começou a falar alto sobre as aventuras e sofrimentos da revolucionária, grifando verbalmente a palavra “mulher” constantemente. O sacana do Andrade queria mostrar o quanto ele tinha apreço e respeito por mulheres fortes e corajosas. Queria impressionar a dama sentada a nossa frente. “Entenda, meu amigo, que essa MULHER era de uma fortaleza incrível. Desde menina já se engajou nas fileiras anarquistas e comunistas na Alemanha. MULHER de fibra!”. Entretanto, a tática do Andrade parecia não surtir nenhum efeito, pois ela não tirava os olhos do celular, digitando uma mensagem, bebericando sua água com gás e cruzando e descruzando as pernas de um lado para o outro, num balé digno das mais dedicadas dançarinas do Moulin Rouge. 

“Ela foi uma das mulheres mais fortes da história da humanidade”, quase berrava Andrade “Uma vadia!”, sussurrei. “A Olga era uma vadia? Tá louco?”. “Estou falando da dona aí em frente, seu babaca!”. “Ah, sim... Mas então... O desgraçado do Getúlio mandou-a para as mãos dos nazistas, grávida..”. Hã, hã... É verde claro!”, disse eu. “O quê, cacete, o que é verde claro?”. “A calcinha dela. A calcinha dela é verde claro!”. “Da Olga?”. “Claro que não, estou falando da dona ai em frente... Ah, deixa de ser chato, Andrade!”. “Não, não é! É azul!”. “Hein? O que é azul?”.“A calcinha, a calcinha é azul...” Andrade deu uma gargalhada escandalosa que fez com que todos dentro do bar se virassem em nossa direção. Ou melhor, quase todos, pois a mulher, alvo da nossa atenção, continuava impassível, digitando no celular e cruzando e descruzando as longas pernas numa rapidez impressionante.

Quase saímos na porrada para definir a cor da calcinha da moça. E concluímos que era um tom entre o azul e o verde. “Azul esverdeado”, como achei de definir, ou “verde azulado”, como Andrade ainda queria. E quando tínhamos chegado a um consenso sobre a cor da calcinha, o balé de pernas simplesmente cessou. A “bailarina” juntando os joelhos fechou o celular, pediu a conta e saiu pela porta, atravessando a rua a passos rápidos e entrando num carro estacionado, que rapidamente desapareceu na primeira esquina, enquanto eu e Andrade ficamos totalmente em silêncio, como que nos culpando mutuamente.

Olhamos cada um aos nossos livros e em silêncio destrocamos os títulos, como nunca tínhamos feito antes. E nos despedimos sem uma palavra sequer, indo cada um para um lado da rua, com seu livro debaixo do braço. A vida, parece, tinha entrado em um carro e desaparecido minutos antes. Mas ainda tínhamos aos nossos livros e possivelmente em algum outro sábado de sol estaríamos de volta ali, naquele boteco sujo, onde a vida parecia existir. 

30/11/2012

01/08/2012

Uma Senhora Com Uma Bolsa de Plástico Branca


Uma Senhora Com Uma Bolsa de Plástico Branca
Luiz Carlos “Barata” Cichetto

 Bound under water  (Source: milk-sockets, via jude13docks)  Posted 1 year ago & Filed under drowning, naked, nude, bag, bondage, creepy, under water, kinky, murder, 285 notes View high resolution Notes:  theslaughter2000 reblogged this from milk-sockets sapioslut reblogged this from milk-sockets and added: Freaky but awesome. emmaloveshorror reblogged this from milk-sockets thetick42 liked this moretwisted reblogged this from itsybitsytitsygirl antbody liked this nfscout reblogged this from amazing-alan nfscout liked this sirsnake reblogged this from itsybitsytitsygirl fishnetsandmaliceaforethought reblogged this from itsybitsytitsygirl amazing-alan reblogged this from milk-sockets captcrusader reblogged this from itsybitsytitsygirl bornvictim reblogged this from itsybitsytitsygirl hispano reblogged this from itsybitsytitsygirl haloonthefloor liked this ashen-light reblogged this from itsybitsytitsygirl amazing-alan liked this itsybitsytitsygirl reblogged this from milk-sockets courbatures reblogged this from johnnyadidas leo-lover-boy liked this love2experiment liked this love2experiment reblogged this from johnnyadidas lordsabre reblogged this from johnnyadidas bondage-babes liked this johnnyadidas reblogged this from johnnynoir johnnynoir reblogged this from boundall boundall reblogged this from pronomomo clownconspiracy reblogged this from milk-sockets herwitness reblogged this from milk-sockets e-bow liked this kittiesandporn reblogged this from milk-sockets cellularstrawberry liked this diestroysiniestro liked this domversion reblogged this from milk-sockets toimpress reblogged this from milk-sockets painfultorture liked this beducated01 liked this 99vultures liked this lifesenemy liked this perhapselsewhere liked this strangeghost liked this -osito liked this sadizt reblogged this from milk-sockets generalsurgeon liked this chainbouquet liked this kelsopoo reblogged this from lookingforsomethingto silly-illy liked this mybound reblogged this from milk-sockets ropepup liked this driedocean reblogged this from mementomorimeetsporn Show more notes Timony Siobhan
Timony Siobhan
Era tarde! Mas o que é ser “tarde” quando costumeiramente dormimos com o sol alto e acordamos quando ele foi para o outro lado do planeta?

Mas, de qualquer forma era tarde e eu, ali parado em uma esquina em que o último boteco tinha fechado ou ainda não aberto, o que é a mesma coisa, e a última das putas também tinha ido dormir ou ainda não tinha acordado, o que também é a mesma coisa. Portanto eu não poderia ter nenhuma das coisas que ainda sustentavam minha vida: bebidas e sexo. 

Enfiei a mão no bolso da calça e acariciei a cabeça do meu pinto, era um antigo costume, dos tempos de moleque. Pensei eu retirar o pinto fora das calças e masturbar ali mesmo, afinal era tarde e ninguém se importaria e não daria a mínima para aquele velho cabeludo e barbudo, com cara de um personagem de um antigo Rock’n’ Roll masturbando um pinto que não era lá dos maiores, mas desisti da idéia, afinal aquela senhora com uma bolsa branca de plástico e brincos enormes poderia ficar interessada, e isso era coisa que eu, de fato, não queria.

Era tarde, ao menos para mim. Mas tarde para o quê? Pergunto e a resposta é imediata: não sei. Afinal não tinha compromisso com nada, não tinha horário de trabalho, nenhum encontro amoroso, nenhum filho a cuidar ou esposa a esperar. Sequer alguma festa, apresentação musical, nada. E quando não se ter compromisso, nada é cedo ou tarde. Apenas é, e ponto final.

Olhei de um lado, o boteco fechado e ao outro e a calçada onde putas perambulam atrás do prazer que o dinheiro lhes oferece tinha apenas aquela senhora com a bolsa de plástico. E isso começava a me incomodar. Afinal, o que aquela velha com aquela bolsa de plástico horrorosa e branca feito ela própria fazia ali, no lugar onde as putas, também horrorosas e brancas, trabalham sustentando seus gatos, fazia ali? Pensei em ir até lá e perguntar, depois desisti, porque ela poderia responder que era, ela mesma, uma daquelas putas tardias, em horário e idade a sustentar seus gatos e seus netos.

O boteco fechado e eu queria apenas um Cynar. Cigarro ainda tinha e acendi um, quando o outro ainda queimava, ali ao meu lado, perto da calçada. O frio era daqueles de gelar o rabo e eu tornei a acariciar a cabeça do pinto e soltei um grande peido. Será que aquela Senhora da Bolsa de Plástico Branca escutou? “Foda-se” Pensei eu enquanto tossia ao dar outra tragada. 

Ninguém, nenhuma outra alma perdida naquela calçada. Seria tão tarde assim, que ninguém, além de mim e aquela escrota do ponto de ônibus se atreviam a andar pelas ruas? Será que ela, naquele ponto de ônibus também esperava o bar abrir? Ou seu ônibus, que a levaria provavelmente a um bairro distante, cheio de gente suja e pobre, como um amante a deixara na mão? Ao que tudo indicava, para ela tanto quanto para mim, também era tarde.

Desisti de esperar o boteco abrir e de tomar outro Cynar, enfiei as mãos nos bolsos da jaqueta de brim suja e caminhei até o ponto do ônibus junto à tal Senhora Branca de Bolsa de Plástico. Afinal, era tarde. E quando é tarde a gente precisa de um ônibus que nos leve a algum lugar. Ou de uma companhia. Mesmo sendo um ônibus que nos leve a algum bairro distante cheio de crianças com ranho escorrendo e fedendo a sujeira. Ou da companhia de uma Senhora de Plástico Branca.

- Olá! – Eu falei, meio sem graça, jogando fora meu cigarro.

- É tarde, não?! – Ela respondeu, enfiando a mão na enorme bolsa, procurando por algo.

- Bastante, mas nem sei porque. – Respondi eu enfiando a mão no bolso da jaqueta imunda e apanhando outro cigarro.

- Mas o que é ser tarde...

- ...Quando a gente não tem para onde ir.-  Ela complementou.

- Para onde está indo? – Perguntei afim de puxar conversa.

- A lugar nenhum!

- Então porque espera um ônibus?

- Porque quando é tarde...

- ... A gente sempre espera um ônibus ou uma companhia, que nos leve a algum lugar.

Retirou da enorme bolsa branca um batom escuro e começou a pintar a boca, com aqueles movimentos estranhos que as mulheres fazem quando pintam os lábios. Depois enfiou a mão na enorme bolsa branca enfiando nela o batom e retirando um baseado de maconha.

- Quer fumar?

- Não, não gosto do cheiro da maconha.

- Eu também não, mas gosto da sensação.

- É... Pode ser... Maconha é que nem....

- Que nem o quê?

- Nada... Deixa pra lá!

- Está com vergonha de dizer que maconha é que nem buceta de mulher, tem um cheiro horroroso, mas a sensação é fantástica?

- É, ia dizer isso sim, mas fiquei com vergonha.

- Vergonha de que, afinal de contas é tarde e podemos dizer o que quisermos.

- Tarde porque... Ou pra quê?

- Não sei, sei apenas que é tarde, pois meu ônibus não veio.

- E os bares estão todos fechados...

- ... e as putas já foram dormir ou ainda não acordaram...

- ... o que é a mesma coisa!

- Como sabe disso? Das putas?

- Não importa, apenas sei. E sei que para elas quanto para nós dois é sempre tarde.

- É... De fato! Concordo!

Ficara desconcertado e não conseguia esconder. Afinal, uma Senhora de Plástico Branca não parecia ser a pessoa com quem eu poderia estar falando aquelas coisas. Mas ela não parecia desconcertada ou incomodada e continuou falando.

- Queria uma bebida, não?

- Sim, como sabe?

- Sei... 

- Queria um Cynar...

- Puro...

- Sim, como sabe?

- Sei... Porque é tarde, e quando é tarde a gente sabe de tudo...

- Ah... Que ônibus espera?

- Nenhum!

- Nenhum? Mas...

- ... Mas o que faço num ponto de ônibus, quando não espero um ônibus? Isso que vai perguntar?

- Sim... 

- É tarde... e quando é tarde a gente...

- ... Sempre espera por um ônibus...

- ... Ou por alguma paixão que nos leve a algum lugar!

- Exato! – Respondi, embora meio chateado com aquela conversa.

- Estou chateando? – Ela perguntou com um tom meio infantil, de uma criança que não quer contrariar.

- Não.... Deixa pra lá...!

- Se quiser posso ir á outro ponto.... É tarde mesmo...

- Espera alguém? – Perguntei, tentando mudar o rumo da conversa.

- Você!

- Eu????

- Sim!

- Porquê? Como assim?

- Porque é tarde, e quando é tarde a gente sempre espera por alguém...

- ... Ou por um ônibus....

- Mas talvez possamos levar um ao outro onde nenhum ônibus é capaz.

- Onde?

- Ao Inferno! Ou ao Paraíso, dependendo do ponto de vista...

- Mas... Sei lá... É tarde... Onde iríamos?

- Nunca é tarde.... 

- Não? Agora me parece...

- Nunca é tarde...

- Onde?

- Aqui!

- Quando?

- Agora!

- E o ônibus?

- Ele que espere! Nunca é tarde...

Depois de umas baforadas, a Plástica Senhora Branca atira na sarjeta, junto às minhas bitucas de cigarro sua ponta de baseado e senta-se no banco abrindo as pernas brancas deixando aparecer no fundo uma moita de pelos negros feito a noite tardia.

- Chupa!

- Hã.... – Estou apalermado

- Chupa minha buceta, porra!

Ela ergue a saia até a cintura e eu, ajoelhado no ponto de ônibus, percorro com a boca aquelas coxas brancas e chego até aquela buceta passando a lamber e a chupar feito um mendigo faminto à frente de um bolo de comida encontrada no lixo. E meu Banquete de Mendigo parece que ainda nem começara, pois ela aperta minha cabeça entre as pernas e enquanto mais me sufoca, mais eu enfio a língua naquela buceta. E quanto mais eu enfio mais ela implora, rangendo os dentes.

- Chupa, chupa, chupa! Seu desgraçado! É tarde! Chupa minha buceta!

Obedeço e mais que obedecer começo a deixar minha libido e meu tesão há muito esquecidos brotarem feito grama em épocas de chuva. Seguro a cabeça do pinto com uma mão e a outra enfio por baixo daquelas coxas brancas procurando por seu buraco traseiro. Encontro e enfio dois de meus dedos naquele cu, melado. A Senhora Branca de Plástico, naquela calçada onde, quando não é tarde as putas sustentam seus gatos com o prazer de suas bucetas plásticas, rebola e relincha feito uma égua sendo enrabada por um burro.

- Chupa... Assim... Gostoso! Agora fode minha buceta, seu filho de uma puta!

- Mas....

- Agora... Agora... Fode minha buceta, seu desgraçado... Nunca é tarde para foder! Me fode agora!

Retiro minha língua daquela buceta e os dedos daquele cu e abaixo o zíper da calça.  Meu pau, duro como há muito eu não sentia, salta para fora e eu não faço nada além de deixar que o segure e encaminhe até aquela buceta melada de desejo e lambuzada com minha saliva. È automático e em poucos segundos aquela buceta abraça meu pau e o lambe como uma criança a um sorvete. Meu tesão é intenso como há muito não era e nenhum pensamento a não ser o de foder aquela Senhora Branca de Plástico ocorre. Nenhum medo, nenhum outro desejo, nenhuma outra paixão. Não espero nada além do momento do gozo, de explodir, daquela sensação de um choque elétrico percorrendo meu corpo. Seguro e aperto com força aquela bunda branca, deixo marcas naquelas carnes moles mas vivas e sedentas. Não tenho alma naquele momento, não tenho nada. Somos apenas desejo, um pelo outro e meu pau e sua buceta parecem que nunca mais irão se separar, parecem ter nascido para ficarem ali, naquele ponto de ônibus, casados e abraçados.

A Senhora da Bolsa Enorme Branca de Plástico enfia unhas pintadas de preto em minhas costas e eu nem sequer sinto a dor, apenas deixo que ela sangre minhas costas enquanto minhas unhas enterram em sua bunda. Ela ergue a bunda do banco e atira de lado a bolsa. Sua boca percorre minha orelha e a minha a sua nuca.  Mordo seu pescoço com desejo e aperto aqueles peitos moles mas desejos, cujos bicos enormes e negros, contrastam com a pele branca. 

Finalmente, mas não por fim, o gozo chega. Sinto que uma enxurrada de esperma começa a percorrer meu pênis e querer ir até seu caminho natural que aquela buceta. Mas como poucas vezes na vida, consigo reter a ejaculação. Retiro meu pau de dentro daquela buceta completamente molhada e puxo a cabeça da Senhora Branca de Bolsa de Plástico em direção a ele. Ela sabe o que quero e enfia naquela boca que minutos antes era ornada de batom meu pau. Em segundos não consigo mais controlar e gozo abundantemente. Embora pareça sufocada ela engole gota a gota meu esperma e continua a chupar meu pau.

Estou com as pernas bambas e ela olha pra mim ainda com desejo, pois para ela como o ônibus, o gozo ainda não chegou. 

Ergo minhas calças, fecho o cinto e o zíper. Um ônibus encosta no ponto e eu corro e subo, sem olhar para trás, deixando ali, naquela calçada a Senhora Branca Com Uma Enorme Bolsa de Plástico olhando para aquele ônibus que me leva á algum lugar distante com crianças sujas e mulheres mau amadas.

Afinal é tarde. E quando é tarde a gente sempre espera um ônibus ou uma paixão que nos leve a algum lugar.

--------------------
Escrito em 2007